Quantcast
Channel: MASTERCLASS CINEMA NEORREALISTA ITALIANO
Viewing all 25 articles
Browse latest View live

O CINEMA NEORREALISMO ITALIANO PROGRAMAÇÃO

$
0
0
O CINEMA NEORREALISMO ITALIANO

Período inicial (1945/1957)
Definição das ideias base deste movimento, através dos seus filmes mais significativos.
Programação

Sessão 1
02.2.2017
Roma, Cidade Aberta (Roma, Citta Aperta) (1945), com Anna Magnanni, Aldo Fabrizi, etc. 98 min; M/ 12 anos.
Sessão 2
09.2.2017
Libertação (Paisá) (1946), com Carmela Sazio, Gar Moore, William Tubbs, etc. 120 min; M/ 12 anos.   
Sessão 3
16.2.2017
Alemanha, Ano Zero (Germania, Ano Zero) (1947), com Edmundo Moeschke, Franz-Ott Kruger, etc. 71 min; M/ 12 anos.
Sessão 4
23.2.2017
Ladrões de Bicicleta (Ladri di Biciclette), de Vittorio De Sica (1948), com Lamberto Maggiorai, Enzo Staiola, etc. 85 min; M/ 6 anos.
Sessão 5
02.3.2017
Umberto D (Umberto D.), de Vittorio De Sica (1952), com Carlos Battiti, Maria Pia Casilio, etc. 83 min; M/ 12 anos.
Sessão 6
09.3.2017
Milagre de Milão (Miracolo a Milano), de Vittorio De Sica  (1951), com Guguelmo Barbabó, Paolo Stopa, Emma Graatica, etc. 93 min; M/ 12 anos.
Sessão 7

16.3.2017
A Terra Treme (La Terra Trema: Episodio del Mar), de Luchino Visconti (1948), com Antonio Arcidiacono, Giuseppe Arcidiacono, etc. 153 min; M/ 12 anos.
Sessão 8
23.3.2017
Belíssima (Bellissima), de Luchino Visconti (1951), com Anna Magnani, Walter Chiari, Tina Apicelli, etc. 110 min; M/ 12 anos
Sessão 9
30.3.2017
Os Inúteis (I Vitelloni), de Federico Fellini (1953), com Alberto Sordi, Franco Interlenchi,Franco Fabrizi, etc. 102 min; M/ 12 anos.
Sessão 10
06.4.2017
A Estrada (La Strada), de Federico Fellini (1954), com Anthony Quinn, Giulietta Masina, Rchard Basehart, etc. 103 min; M/ 12 anos.
Sessão 11
12.4.2017
Noites de Cabiria (Le Notte di Cabiria), de Federico Fellini (1957), com Giulietta Masina, Amedeo Nazari, François Perier, etc. 117 min; M/ 12anos.
Sessão 12
20.4.2017
Retalhos da Vida (L’Amore in Città), de Michelangelo Antonioni ("Tentato suicido"), Federico Fellini ("Un Agenzia matrimoniale'"), Alberto Lattuada ("Gli Italiani si voltano"), Carlo Lizzani ("L’ Amore che si paga'"), Francesco Maselli ("Storia di Caterina"), Dino Risi ("Paradiso per 3 ore") e Cesare Zavattini ("Storia di Caterina") (1953), com Rita Josa, Rosanna Carta, Enrico Pelliccia, etc. 104 min; M/12 anos.
Sessão 13
27.4.2017
O Caminho da Esperança (Il Cammino della Speranza), de Pietro Germi(1950), com Raf Vallone, Elena Varzi, Saro Urzì, etc. 105 min; M/ 12 anos. (*)
Sessão 14
04.5.2017
Não Há Paz Entre as Oliveiras (Non c'è Pace tra gli Ulivi), de Giuseppe De Santis (1950), com Raf Vallone, Lucia Bosé, Folco Lulli, etc. 107 min; M/ 12anos (*).
Sessão 15
11.5.2017
O Grito (Il Grido), de Michelangelo Antonioni (1957), com Steve Cochran, Alida Valli, Dorian Gray, etc. 115 min; M/ 12 anos.

(*) todos os filmes legendados em português, com excepção destes dois, legendados em italiano

O NEORREALISMO (1945 – 1960)

$
0
0


O NEORREALISMO (1945 – 1960)

O neorrealismo é seguramente dos movimentos artísticos que, no campo do cinema, teve uma maior influência em todo o futuro da cinematografia mundial. Surgiu num momento muito paricular da história da Europa (e do mundo) mas teve antecessores que possibilitaram a sua eclosão, nomeadamente algumas escolas realistas, como o documentarismo social inglês dos anos 30 (onde avultam as obras de John Grierson, Basil Wright, Edgar Anstey, Stuart Legg, Paul Rotha, Arthur Elton, Humphrey Jennings, Harry Watt ou Alberto Cavalcanti, entre outros), algumas incursões da escola soviética, mas também de muitos cineastas com uma obra muito particular, como Robert Flaherty, Joris Ivens, Dziga Vertov e tantos mais. Integrando-se nessa corrente realista, o neorrealismo teve, todavia, particularidades próprias. 
Não querendo aqui enunciar exaustivamente as características do neorrealismo, é conveniente sublinhar algumas delas. O neorrealismo nasce de considerandos e de situações diversas que se reúnem: o cinema italiano foi, durante a época fascista, ou um cinema de propaganda do sistema, precisamente do fascismo mussoliniano, ou um cinema de fuga à realidade. Os cineastas que estavam com o fascismo, elogiavam-no, os que não estavam, ou frontalmente se lhe opunham, tentavam trabalhar na sua arte nos limites das possibilidades sem se comprometerem, criando um cinema “caligrafista”, muito estilizado, simbólico, de sofisticadas e inócuas comédias de “telefones brancos”, ou então adaptando obras literárias do século XIX, que tinham muito pouco a ver com a realidade italiana dos anos 30 e 40, até final da guerra. Durante o fascismo, uma nova geração de jovens interessara-se particularmente pela crítica cinematográfica, pela escrita de argumentos, pela realização, muitos como assistentes de realização, e quase todos se reuniram em redor de criações do regime, como o Centro Sperimentale di Cinematografia (CSC), localizado em Roma, fundado em 3 de abril de 1935, embora a Scuola Nazionale di Cinema (então denominada Scuola Nazionale di Cinematografia), já estivesse em atividade na época. Benito Mussolini, o seu filho Vittorio e, sobretudo, Galeazzo Ciano deram grande impulso à criação e manutenção do CSC, bem assim como ao projeto da Cinecittà. O edifício onde se instalou o Centro foi construído em 1935, ao mesmo tempo que a Cinecittà, em frente aos estúdios cinematográficos, na periferia romana. Entre alguns mais, o Centro Sperimentale di Cinematografia formou, entre 1935 e 1945, profissionais como Michelangelo Antonioni, Steno, Alida Valli, Pasqualino De Santis, Pietro Germi, Dino De Laurentiis ou Luigi Zampa, e entre 1945 e 1968, Marco Bellocchio, Liliana Cavani, Vittorio Storaro, Monica Vitti, Néstor Almendros, Tomás Gutiérrez Alea, Claudia Cardinale ou Domenico Modugno.
Mussolini e o filho Vittorio deram grande importância ao cinema, “como elemento de formação e divulgação dos valores do fascismo” e foram também eles, nessa mesma perspectiva de impulsionar o cinema como arte de propaganda, os instigadores do Festival de Cinema de Veneza, que se inaugurou a 6 de agosto de 1932. De início, integrava a Bienal de Arte de Veneza, que de dois em dois anos tentava reunir e dar a conhecer as diversas correntes artísticas europeias. Mas como a pintura, a escultura ou a música não atraíam as massas tanto quanto o desejado, o secretário geral da Bienal, o escultor Antonio Mariani, teve a ideia, ousada para a época, de inserir o cinema nesse evento. Para Mussolini, o Festival era uma bela oportunidade de propaganda política e de ver afluir ao país divisas estrangeiras. O Festival de 1932 acolheu vinte e nove filmes e o de 1934 recebeu cinquenta; participaram dezassete países, entre os quais os Estados Unidos da América. O evento passou a anual, pelo que a terceira edição do Festival ocorreu em 1935. O Palazzo del Cinema foi inaugurado 1937.  Em 1940 e 1941, o Festival foi um acontecimento fundamentalmente político, com a "semana do filme italo-alemão" e, em 1942, foi anulado e ressuscitou em 1946, com a participação de filmes franceses, americanos, ingleses e soviéticos.
Em finais de 1937, Vittorio Mussolini viajou até Hollywood procurando apoio dos estúdios, que o receberam friamente ou mesmo se recusaram a recebê-lo (Goldwyn Mayer, por exemplo). Outra das iniciativas importantes de Vittorio foi a criação da revista “Cinema” que se tornaria ponto de reunião de futuros cineastas e críticos fundadores do neorrealismo. Também como argumentista e produtor, Vittorio, que era piloto de aviação de guerra, se tornou notado, trabalhando com nomes como Rossellini, a quem encomendou três filmes do seu período fascista - “La nave bianca” (1941), “Un pilota retorna” (1942) e “L'uomo dalla croce” (1943) - , Antonioni, Mario Mattoli, entre outros. Estranhamente, a formação oferecida por Vittorio Mussolini aos jovens cinéfilos italianos haveria de se voltar contra as ideias por ele defendidas. Todos se tornaram anti-fascistas, mal terminou a guerra. Quanto a Vittorio, exilou-se na Argentina, regressou a Itália em 1967, e morreu em 1997.

Quando se aproxima o fim da guerra e se verifica a possibilidade de abordar temas proibidos até aí, o próprio fascismo, a guerra e a ocupação alemã, a resistência, o drama diário do povo italiano, este foi o caminho. Mas a esta orientação ideológica (muito condicionada pelos comunistas, que tinham saído vitoriosos da coordenação da Resistência), outra se lhe juntou igualmente muito motivadora da escolha do caminho. Após a derrota, a Itália estava completamente destruída, a indústria cinematográfica praticamente não existia, não havia estúdios funcionais, não havia material técnico em boa qualidade, não havia actores e realizadores (alguns dos que havia ou estavam comprometidos com o fascismo, ou a mudarem de casaca rapidamente, ou envelhecidos, ou em fuga…), não havia capital para obras sumptuosas.
Da reunião destes factores, nasceu um cinema ideologicamente não muito coerente, apesar de nalguns casos de  forte orientação marxista, mas que se podia caracterizar por aspectos significativos para definir um movimento ou uma corrente: filmagens fora dos estúdios, em exteriores ou interiores naturais, pouco material técnico, uso quase exclusivo de película a preto e branco, quase total ausência de actores profissionais, lançamento de uma nova geração de cineastas, saídos da resistência intelectual e cultural ao fascismo, temas da vida do dia-a-dia, assunção de uma voz nova nos ecrãs, o povo autêntico, sem caracterização ou guarda-roupa especial. Esta foi a revolução imposta um tanto pelas disponibilidades técnicas da época e do local, outro tanto pela intencionalidade política, social, cultural e sobretudo cinematográfica.
Nos primeiros tempos, a ortodoxia marxista imperou, mas curiosamente terá sido no cinema que ela se fez menos impositiva. Na literatura, em Itália (e noutros países, como Portugal), ela terá sido mais forte, contagiando mais autores e prolongando no tempo a sua influência. Durante a época fascista, a literatura italiana, para lá de obras apologéticas do regime, era dominada por uma certa vanguarda (o Futurismo marinettiano ou um certo hermetismo formal)  ou por autores como Giovanni Verga e seu “verismo” que irá oscilar entre o fascínio pelo fascismo e interessar jovens cineastas como Visconti, que adapta obras suas em “A Terra Treme”.
Curioso será relembrar alguns escritores italianos que impuseram o neorrealismo desde os anos 40, como Elio Vittorini, Cesare Pavese, Vasco Pratolini, Pier Paolo Pasolini, Italo Calvino, Beppe Fenoglio, Carlo Cassola, Alberto Moravia, Primo Levi, Ignazio Silone, entre alguns mais. Interessante será observar a palavra de um deles referindo-se ao movimento. Escreve Italo Calvino (1964, prefácio a “Il Sentiero Dei Nidi Di Ragno”), que o neorrealismo “non fu una scuola, ma un insieme di voci, in gran parte periferiche, una molteplice scoperta delle diverse Italie, specialmente delle Italie fino allora più sconosciute dalla letteratura”. Também na literatura, portanto, a orientação era diversa, ainda que a necessidade de intervir, de testemunhar fosse unânime.
Tanto na literatura como no cinema, a criação neorrealista procura descrever de imediato a realidade social e humana do país, enquadrando-as no ambiente da época, dando inclusive especial atenção a especificidades regionais e observando o quadro com preocupações éticas e igualmente estéticas. A verdade é que o tipo de rodagem que o neorrealismo impôs veio a influenciar toda a história do cinema posterior. Este tipo de “cinema pobre” sem magia estereotipada, sem grandes recursos, sem o glamour das estrelas e dos estúdios, sem temas fantásticos e fantasistas, esteve na origem de inúmeras experiências em todo o mundo, desde a Nouvelle Vague francesa, passando pelo Free Cinema inglês, pelos novos cinemas que se conheceram na década de 60 na Europa Ocidental e de Leste, pela América Latina, pela India, chegando aos próprios EUA, onde os primeiros títulos italianos de Rossellini e De Sica provocaram ondas de entusiasmo transbordantes. 

Regressando a Itália, em 1945, surge “Roma, Cidade Aberta”, de Roberto Rossellini, que inicia formalmente o movimento. Mas antes já tinham aparecido alguns antecedentes, como “I Bambini ci Guardano”, de Vittorio De Sica, “Ossessione”, de Luchino Visconti, ou “Quattro Passi fra la Nuvole”, de Alessandro Blasseti, todos de 1942-44. Os grandes filmes e os maiores cineastas que este movimento revelou situam-se, no entanto, em campos muito diversos: Roberto Rossellini (além de “Roma, Cidade Aberta”, ainda “Libertação” ou “Alemanha Ano Zero”), Vittorio De Sica, (“Ladrões de Bicicletas”, “Humberto D”, “Milagre de Milão”), Luchino Visconti (para lá de “Ossessione”, “A Terra Treme”, “Belíssima”), Federico Fellini (“O Sheik Branco”, “Os Inúteis”, “A Estrada”, “As Noites de Cabiria”), Michelangelo Antonioni (“Agente do Pó”, “Escândalo de Amor”, “As Amigas, “O Grito”), Dino Risi (“Retalhos da Vida”, “A Ultrapassagem”, “Vida Difícil”), Mario Monicelli (“Vida de Cão”, “Polícias e Ladrões”, “Proibito”, “Un eroe dei nostri tempi”, “Gangsters Falhados”, “A Grande Guerra”), Alberto Lattuada (“O Bandido”, “O Delito”, “Sem Piedade”, “O Moinho do Pó”, “Anna”, “O Capote”), Pietro Germi (“La Città si difende”, “O Bandido da Cova do Lobo”, “Gelosia”, “O Ferroviário”, “O Homem de Palha”), Cesare Zavattini (“Retalhos da Vida”), bem acompanhados por alguns realizadores com obra respeitável e interessante, como Luigi Comencini, Carlo Lizani, Giuseppe De Santis, Aldo Vergano, Luciano Emmer, Renato Castellani ou Luigi Zampa, entre outros.
Falar-se num processo comum é possível, mas difícil, mesmo impossível descortinar um ideário colectivo. A religiosidade de Rossellini nem sequer se assemelha à de Fellini, o humanismo de De Sica não se compara com Antonioni, nem mesmo a visão marxista de Visconti tem paralelo na de De Santis, Lizzani ou Emmer. Talvez uma das maiores virtudes deste movimento tenha sido a de permitir analisar a realidade social da Itália do pós-guerra sob diversos pontos de vista que uns aos outros se completam.


PRINCIPAIS FILMES NEOREALISTAS 
(1943-1960)

1942: Quattro Passi fra la Nuvole (Dois Dias Fora da Vida), de Alessandro Blasseti
1943: Obsessão (Ossessione), de Luchino Visconti
1944: I Bambini ci Guardano, de Vittorio De Sica
1945: Roma, Cidade Aberta (Roma, Città Aperta), de Roberto Rossellini
1946: (Sciuscià), de Vittorio De Sica
1946: Libertação (Paisà), de Roberto Rossellini
1946: O Bandido (Il Bandito), de Alberto Lattuada
1946: Um Dia na Vida (Un Giorno nella Vita), de Alessandro Blasetti
1946: (Il Sole Sorge Ancora), de Aldo Vergano
1947: (Caccia Tragica), de Giuseppe De Santis
1947: (Gioventù Perduta), de Pietro Germi
1948: Sem Piedade (Senza Pietà), de Alberto Lattuada
1948: Alemanha Ano Zero (Germania Anno Zero), de Roberto Rossellini
1948: Ladrões de Bicicletas (Ladri di Biciclette), de Vittorio De Sica
1948: A Terra Treme (La Terra Trema), de Luchino Visconti
1948: Em Nome da Lei (In Nome della Legge), de Pietro Germi
1948: Sob o Céu de Roma (Sotto il Sole di Roma), de Renato Castellani
1948: (Anni Difficili), de Luigi Zampa
1948: (Fantasmi del Mare), de Francesco De Robertis
1949: Arroz Amargo (Riso Amaro), de Giuseppe De Santis
1949: É Primavera (È Primavera), de Renato Castellani
1949: (Il Mulatto), de Francesco De Robertis
1949: O Moinho do Rio Pó (Il Mulino del Po), de Alberto Lattuada
1950: Stromboli (Stromboli Terra Di Dio), de Roberto Rossellini
1950: Escândalo de Amor (Cronaca di un Amore), de Michelangelo Antonioni
1950: Não Há Paz Entre as Oliveiras (Non c’è Pace tra gli Ulivi), de Giuseppe De Santis
1950: O Caminho da Esperança (Il Cammino della Speranza), de Pietro Germi
1950: (Gli Amanti di Ravello), de Francesco De Robertis
1950: Domingo de Agosto (Domenica d’Agosto), de Luciano Emmer
1951: Belíssima (Bellissima), de Luchino Visconti
1951: Atenção, Bandidos (Achtung! Banditi!), de Carlo Lizzani
1951: (Luci del varietà), de Federico Fellini, Alberto Lattuada
1951: O Milagre de Milão (Miracolo a Milano), de Vittorio De Sica
1952: Europa 51 (Europa ’51), de Roberto Rossellini
1952: O Sheik Branco (Lo Sceicco Bianco), de Federico Fellini
1952: O Bandido da Cova do Lobo (Il Brigante di Tacca del Lupo), de Pietro Germi
1952: O Capote (Il Cappotto), de Alberto Lattuada
1952: O Pão Nosso de Cada Dia (Roma Ore 11), de Giuseppe De Santis
1952: Dez Réis de Esperança (Due Soldi di Speranza), de Renato Castellani
1952: Processo Contra a Cidade (Processo Alla Città), de Luigi Zampa
1952: (Carica Eroica), de Francesco De Robertis
1952: Humberto D (Umberto D.), de Vittorio De Sica
1953: Retalhos da Vida (L'Amore in Città), de Michelangelo Antonioni, Federico Fellini, Alberto Lattuada, Carlo Lizzani, Francesco Maselli, Dino Risi, Cesare Zavattini
1953: A Dama Sem Camélias (La Signora Senza Camelie), de Michelangelo Antonioni
1953: Os Inúteis (I Vitelloni), de Federico Fellini
1953: Estação Terminus (Stazione Termini), de Vittorio De Sica
1953: Viagem em Itália (Viaggio in Italia), de Roberto Rossellini
1953: Os Sete da Ursa Maior (I Sette dell’Orsa Maggiore), de Francesco De Robertis
1953: Nós, Mulheres (Siamo Donne), de Gianni Franciolini, Alfredo Guarini, Roberto Rossellini, Luchino Visconti, Luigi Zampa
1953: Os Vencidos (I Vinti), de Michelangelo Antonioni
1953: A Loba (La Lupa), de Alberto Lattuada
1954: A Estrada (La Strada), de Federico Fellini
1954: (Cronache di Poveri Amanti), de Carlo Lizzani
1955: Os Evadidos (Gli Sbandati), de Francesco Maselli
1955: As Amigas (Le Amiche), de Michelangelo Antonioni
1955: O Tecto (Il Tetto), de Vittorio De Sica
1955: O Conto do Vigário (Il Bidone), de Federico Fellini
1956: O Ferroviário (Il Ferroviere), de Pietro Germi
1957: O Grito (Il Grido), de Michelangelo Antonioni
1957: As Noites de Cabíria (Le Notti di Cabiria), de Federico Fellini
1958: (Ragazzi della Marina), de Francesco De Robertis
1958: O Homem de Palha (L'Uomo di Paglia), de Pietro Germi
1960: Era Noite em Roma (Era Notte a Roma), de Roberto Rossellini

1960: Rocco e Seus Irmãos (Rocco e i Suoi Fratelli), de Luchino Visconti

ROBERTO ROSSELLINI (1906-1977)

$
0
0


ROBERTO ROSSELLINI (1906-1977)

Roberto Gastone Zeffiro Rossellini nasceu em Roma, a 8 de Maio de 1906, e viria a falecer na mesma cidade, a 3 de Junho de 1977, com 71 anos. Casado com Assia Noris (1934-1936, anulado), Marcella De Marchis (1936-1950, divórcio), Ingrid Bergman (1950-1957, divórcio) e Sonali Senroy DasGupta (1957-1977, morte de Rossellini). Filhos: Romano Rossellini, Renzo Rossellini (segundo casamento), Roberto Rossellini, Isabella Rossellini, Isotta Rossellini (terceiro casamento), Gil Rossellini (quarto casamento).
Habitando na Via Ludovici, originário de uma família da média burguesia romana, onde a música, o teatro e a cultura em geral tinham destacado lugar, Roberto Rossellini tinha como pai Angiolo Giuseppe Rossellini, conhecido como Beppino Rossellini, um notório arquitecto, senhor de certo prestígio e fortuna, que beneficiava ainda do apoio de um rico tio empresário, Roberto Zeffiro Rossellini. Beppino era também dado às artes e construiu em Roma um teatro onde se podia igualmente projectar filmes - diz-se que foi mesmo a primeira sala romana com esta ambivalência. O Cinema Barberini, inaugurado em 1930, projectado por Marcello Piacentini, e ainda hoje aberto ao público, agora em sala multiplex, depois de algumas obras, fica localizado na Piazza Barberini, perto do famoso Hotel Bristol, ao lado da Via Veneto, tendo em frente a fonte do Tritão, da autoria de Bernini.
O jovem Roberto Rossellini, que tinha três irmãos mais novos, Renzo, Marcela e Micaela, assistia, portanto, a tudo quanto passava nessa sala, ganhando o gosto pelo cinema. O seu primeiro emprego, ainda jovem, foi como captador de som para filmes, passando depois a outras tarefas na mesma área, tendo ganho experiência que lhe foi decisiva no futuro.
Fala-se de um primeiro casamento com uma actriz de origem russa, mas naturalizada italiana, Assia Noris, mas foi declarada a nulidade do mesmo. Em 1936, casa com Marcella de Marchisqui, figurinista, especializada sobretudo em guarda-roupa para cinema. Deste casamento nasceram dois filhos, Marco Romano (1937) e Renzo (1941), o primeiro dos quais morreu tragicamente, com um ataque de apendicite, enquanto criança ainda. O filme “Germania, Anno Zero” era dedicado a esse filho, Romano.
Outra curiosidade importante para situar o percurso biográfico do futuro cineasta foi o facto da casa dos pais se encontrar perto do hotel de Benito Mussolini. Roberto privou desde jovem com Vittorio Mussolini, filho do ditador, que mais tarde teria um importante papel na condução da cinematografia italiana, sob a inspiração fascista. A estreia de Rossellini na realização dá-se em curtas-metragens, “Daphne” (1936), a que se seguiram, em 1938, “Prélude à l'Après-midi d'un Faune”, proibida pela censura, acusada de falta de pudor, e, em 1939, “Fantasia Sottomarina”. Em 1938, foi assistente de Goffredo Alessandrini na escrita de “Luciano Serra pilota”, que ganha o Prémio Mussolini para o melhor filme italiano, no Festival de Veneza, e teve um enorme sucesso de público. Em 1940, foi assistente de Francesco De Robertis na realização de “Uomini sul Fondo”. Passa então à realização, assinando três obras de propaganda fascista que se inscrevem na sua filmografia como a “Trilogia Fascista” (1941-1944) (curiosamente, um texto publicado nos “Cahiers du Cinéma”, intitulado “Dix ans de Cinéma”, passa em claro este período e estas obras): “La Nave Bianca” (1941), é uma encomenda do Centro Cinematográfico do Ministério da Marinha, que ganhou o Prémio do Partido Fascista, “Un Pilota Retorna” (1942) e “Uomo dalla Croce” (1943). Por essa época, estabelece-se uma forte amizade com Federico Fellini e o actor Aldo Fabrizi.
Quando o regime fascista começa a desmoronar-se, em finais de 1943, dois meses antes da queda de Roma, Rossellini começa a preparar as filmagens de “Roma, Città Aperta”, com a colaboração de Fellini e de Aldo Fabrizi, que irá interpretar o principal papel masculino, ao lado de Anna Magnani. O filme, produzido pelo próprio, com economias pessoais e empréstimos, estreia em 1945, passa relativamente desapercebido na estreia italiana, mas recebe o Grande Prémio de Cannes e é triunfalmente acolhido em França e nos EUA, sucesso que se reflecte então em Itália.
Em 1946, realiza “Paisà”, com actores não profissionais, e em 1948 “Germania anno zero”, filmado no sector francês de Berlim, produzido por um francês. Continua a preferir trabalhar com actores não profissionais e explica a razão: “Para criar uma personagem que temos em mente é necessário ao argumentista estabelecer uma verdadeira batalha com o actor, que muitas vezes acaba com o argumentista a submeter-se aos desejos do actor. A fim de não delapidar a minha energia numa batalha como essa, escolho actores profissionais apenas de tempos a tempos”.
Rossellini roda seguidamente “L'Amore” (que compreende dois filmes de média metragem, “La Voix Humaine”, segundo Cocteau, e “Le Miracle”, segundo Fellini), de novo com Anna Magnani, com quem estabeleceu uma tumultuosa relação amorosa, e “La Macchina Ammazzacattivi”.
Em 1948, Rossellini recebe uma carta de Ingrid Bergman, que na altura tinha Hollywood aos pés, sobretudo depois de “Casablanca”. Rezava assim: “Caro M. Rossellini, Vi os seus filmes “Roma, Cidade Aberta” e “Païsa”, e gostei muito deles. Se tiver necessidade de uma actriz sueca que fala muito bem inglês, que não esqueceu o seu alemão, que não se faz compreender muito bem em francês, e que em italiano nada mais sabe dizer senão “ti amo”, então eu estou pronta a ir fazer um filme consigo”. Assinava, Ingrid Bergman. Sem pensar duas vezes, presumo eu, Rossellini convida Ingrid Bergman para interpretar “Stromboli, Terra di Dio”, cujas filmagens decorreram na isolada ilha de Stromboli. Era o primeiro título de um novo ciclo, este dedicado a Ingrid Bergman, e que, além de “Stromboli” agrupa ainda “Europa 51”, “Viaggio in Italia”, “O Medo” e “Giovanna d'Arco al Rogo”. Era igualmente o início de um idílio que iria dar muito que falar. Rossellini e Ingrid eram casados, a sua relação deu brado por todo o mundo, a actriz ficou grávida, sob as fagulhas do Stromboli, as ligas de decência insurgiram-se, a América ficou chocada, repudiaram os adúlteros, e Ingrid Bergman ficou na lista negra de Hollywood. Casaram-se em 1950. O romance durou sete anos. Em 1957, Rossellini partiu para a Índia, para rodar uma série de documentários para a televisão, e uma longa, e aí conheceu uma argumentista indiana, Sonali Dasgupta, casada com um realizador de documentários, mãe de filhos, e rebenta outro escândalo, este com uma tonalidade muito oriental. O casal parte para Itália, Sonali traz o filho, que Rossellini adopta, deixa a filha com o pai, e pouco depois nasce Gil Rossellini. Viveram juntos até à morte de Rossellini, em 1977.
Cinematograficamente, os escândalos da vida pessoal e o insucesso das obras para televisão arruinaram a reputação de Rossellini. Não havia produtor que lhe concedesse liras para um filme, até que consegue rodar “O General Della Rovere”, em 1959, uma obra-prima que ganha prémios em festivais internacionais, Veneza finalmente!, e o projecta de novo como grande mestre. Seguem-se “Era Notte a Roma”, de novo sobre a II Guerra Mundial, e duas peliculas históricas, “Viva l’Italia” (1960) e “Vanina Vanini” (1961). Mas Rossellini não gosta do “espectáculo”, prefere o cinema pedagógico e acerca-se da televisão educativa para rodar uma série de documentários ficcionados sobre personalidades históricas, como “L’ Etá del Ferro”, “Benito Mussolini”, “La Prise du Pouvoir par Louis XIV” (excelente exercício), “La Lotta dell’Uomo per la Sopravvivenza”, “Atti degli Apostoli”, “Socrate”, “La Forza e la Ragione”, “Blaise Pascal”, “Agostino d’Ippona”, “L’Età di Cosimo de Medici”, “Cartesius”, “Anno Uno”, “Il Messia”, entre outros. O seu derradeiro filme data de 1977, e documentava “Beaubourg, Centre d’Art et de Culture George Pompidou”. Para lá do cinema e da televisão, ainda encenou diversas peças de teatro, escreveu vários importantes textos sobre cinema, e colaborou em argumentos para outros cineastas, nomeadamente para Godard, “Les Carabiniers”.
Entre 1968 e 1974, dirigiu o Centro Sperimentale di Cinematografia. Morreu em Roma, a 3 de Junho de 1977, com 71 anos, de crise cardíaca.


FILMOGRAFIA:
Cinema
1935: DAFNE (curta-metragem)
1937: PRÉLUDE À L'APRÈS-MIDI D'UN FAUNE (curta-metragem)
1938: FANTASIA SOTTOMARINA (curta-metragem)
1939: LA VISPA TERESA (curta-metragem)
1940: IL TACCHINO PREPOTENTE (curta-metragem)
1941: IL RUSCELLO DI RIPASOTTILE (curta-metragem)
1941: LA NAVE BIANCA
1942: UN PILOTA RITORNA
1943: L'UOMO DALLA CROCE
1943: DESIDERIO (filme iniciado por Rossellini em 1943, com o título "Scalo merci" e concluído em 1946 por Marcello Pagliero)
1945: ROMA, CITTÀ APERTA (Roma, Cidade Aberta)
1946: PAISÀ (Libertação)
1948: GERMANIA ANNO ZERO (Alemanha, Ano Zero)
1948: L'AMORE
1949: L'INVASORE, de Nino Giannini e Roberto Rossellini (supervisão)
1950: STROMBOLI TERRA DI DIO (Stromboli)
1950: FRANCESCO, GIULLARE DI DIO (O Santo dos Pobrezinhos)
1952: LA MACCHINA AMMAZZACATTIVI)
1952: I SETTE PECCATI CAPITALI (Pecados Mortais), de Yves Allégret, Claude Autant-Lara, Eduardo De Filippo, Jean Dréville, Georges Lacombe, Carlo Rim, e Roberto Rossellini (episódio “L’Envy” ou"L’Envie” )
1952: EUROPA '51 (Europa 51)
1953: SIAMO DONNE, de Gianni Franciolini, Alfredo Guarini, Roberto Rossellini (episódio "Ingrid Bergman"), Luchino Visconti, Luigi Zampa
1953: RIVALITÀ, de Giuliano Biagetti e Roberto Rossellini (supervisão)
1954: DOV'È LA LIBERTÀ? (Onde Está a Liberdade?)
1954: VIAGGIO IN ITALIA (Viagem em Itália))
1954: ANGST (O Medo)
1954: AMORI DI MEZZO SECOLO, de Mario Chiari, Pietro Germi, Glauco Pellegrini, Antonio Pietrangeli, Roberto Rossellini (episódio "Napoli 1943")
1954: GIOVANNA D'ARCO AL ROGO
1957: INDIA MATRI BUHMI (documentário)
1959: IL GENERALE DELLA ROVERE (O General Della Rovere)
1960: ERA NOTTE A ROMA (Era Noite em Roma)
1961: VIVA L'ITALIA (Viva Itália)
1961: VANINA VANINI (Vanina Vanini)
1962: ANIMA NERA
1963: RO.GO.PA.G., de Jean-Luc Godard, Ugo Gregoretti, Pier Paolo Pasolini, Roberto Rossellini (episódio "Illibatezza")
1974: ANNO UNO
1976: IL MESSIA (O Messias)

Televisão
1959: L’INDIA VISTA DA ROSSELLINI (mini-série)
1961: TORINO NEI CENT'ANNI
1962: I CARABINIERI
1962: BENITO MUSSOLINI
1964: L'ETÀ DEL FERRO
1967: IDEA DI UN'ISOLA
1967: LA PRISE DE POUVOIR PAR LOUIS XIV (A Tomada do Poder por Luis XIV)
1968: ATTI DEGLI APOSTOLI
1970: SOCRATE
1970: LA LOTTA DELL'UOMO PER LA SUA SOPRAVVENZA, de Renzo Rossellini
1970: DA GERUSALEMME A DAMASCO
1971: INTERVISTA A SALVADOR ALLENDE: LA FORZA E LA RAGIONE
1971: RICE UNIVERSITY
1971: BLAISE PASCAL
1972: AGOSTINO D'IPPONA
1973: L'ETÀ DI COSIMO DE MEDICI (mini-série)
1973: CARTESIUS
1974: A QUESTION OF PEOPLE, de Beppe Cino, “From filming by Roberto Rossellini”
1974: CONCERTO PER MICHELANGELO
1977: BEAUBOURG, CENTRE D'ART ET DE CULTURE GEORGES POMPIDOU

Argumentista (em filmes que não foram de sua autoria)
1938: LUCIANO SERRA PILOTA, de Goffredo Alessandrini
1963: LES CARABINIERS, de Jean-Luc Godard
1967: LA LUTTE DE L'HOMME POUR SA SURVIE

Algumas obras de cinema e televisão onde aparece (testemunhos, entrevistas, biografias, etc.: 
1959: L'India vista da Rossellini (TV, mini-série de TV)
1960: Cinépanorama (Série de TV, documentário)
1960: Project XX (Série de TV, documentário)
1964: Roberto Rossellini: appunti biografici (TV, documentário)
1965: L'età del ferro (Série de TV, documentário)

1967: Toast of the Town (Série de TV)

SESSÃO 1 - ROMA, CIDADE ABERTA

$
0
0


ROMA, CIDADE ABERTA (1945)

“Ossessione” é de 1943, “La Terra Trema: Episodio del Mare” é de 1948, ambos de Visconti. “Roma, Città Aperta”, de 1945, traz a assinatura de Roberto Rossellini. Indiscutivelmente, são estes os três filmes mais importantes a marcarem o início do chamado neo-realismo. Mas desde logo as diferenças são algumas, bem assim como as características comuns. Neste caso, uma enorme necessidade de falar de temas simples e populares, de trazer para o ecrã o povo que dali andava arredado; a falta de meios que impunha um cinema pobre, tecnicamente imperfeito, mas esteticamente depurado, eticamente honesto, politicamente intencional; a utilização de actores não profissionais. Entre as diferenças, estas eram de raiz ideológica, ainda que nos primeiros tempos a união contra o invasor nazi e o fascismo mussoliniano disfarçassem as divergências. Um Visconti aristocrata e marxista, ao lado de um Fellini religioso mas libertário, um De Sica humanista, um Rossellini metafísico e democrata cristão, um Zavatini ou um Guiseppe De Santis abertamente comunistas são algumas das opções que logo se destacaram.
Rossellini é dos casos mais desconcertantes deste grupo. Inicialmente documentarista, assina depois três filmes que ficaram conhecidos pela sua “trilogia fascista”, “La Nave Bianca” (1941), “Un Pilota Ritorna” (1942) e “L'Uomo dalla Croce” (1943) (rodados na época do fascismo italiano, com fundos dos organismos oficiais e largamente premiados pelas entidades mussolinianas), passando imediatamente após a Libertação a uma nova “trilogia da guerra”, com “Roma, Cidade Aberta”, “Libertação” e “Alemanha, Ano Zero”, todos eles bem enquadrados no neo-realismo.
Durante uns tempos, o reconhecimento de Rossellini não foi unânime (ainda hoje não o é), tendo mesmo sido acusado de ter “passado do fascismo para a democracia cristã” por alguma crítica mais ortodoxa. Mas com o aparecimento dos “Cahiers du Cinéma” e de André Bazin, Truffaut, Rivette e alguns mais, Rossellini não foi só reabilitado, como colocado no lugar de mestre incontestável da modernidade, cineasta farol de um novo cinema. Nenhum outro cineasta italiano mereceu tantos elogios dos franceses desta corrente como Rossellini.
Em 1944 pode dizer-se que a indústria italiana de cinema tinha sido completamente destruída, não existiam estúdios, nem material técnico, nem laboratórios, nem sequer quantidade suficiente de uma mesma película para uma longa-metragem. Quando, em 1995, a “Cineteca Nazionale” restaurou o negativo de “Roma, Cidade Aberta” percebeu que o original era composto por três tipos de película: Ferrania C6, em exteriores, Agfa Super Pan e Agfa Ultra Rapid em interiores. Mesmo dentro de cada tipo de película existiam consideráveis alterações de densidade. Nenhuma unidade de tom era possível. Mas, um pouco também por causa disso, o que resultaria daí ofereceria uma tonalidade documental que agradava bastante ao autor.
Quando a II Guerra Mundial entrava nos seus últimos meses, Rossellini abandonava a realização de um filme, “Desiderio”, pois não tinha condições para o terminar (haveria de ser concluído por Marcello Pagliero, em 1946). Rossellini, porém, queria filmar a história de um padre católico, Don Pieto Morosini, que tinha sido fuzilado pelos nazis por ter auxiliado alguns resistentes italianos. O actor Aldo Fabrizi era o preferido para interpretar este papel e Rossellini, amigo de Fellini, pede a este para interceder junto do actor por forma a poder contar com a sua colaboração. Havia ainda a hipótese de rodar um documentário sobre o papel das crianças italianas na luta contra o opressor. Fellini e Sergio Amidei convencem Rossellini a reunir os dois projectos e escreveram um argumento ficcionado sobre estes temas. Estávamos em Agosto de 1944, dois meses depois das tropas norte-americanas terem libertado Roma da ocupação nazi. “Roma, Città Aperta” seria o cenário. Rossellini queria sinceridade máxima, autenticidade, total ausência de efeitos, nenhuma espectacularidade, actores predominantemente não profissionais, recrutados na rua, um olhar sem complacência. As falhas técnicas funcionariam como elemento estilístico, seria um cinema pobre, a película era comprada em pequenas quantidades, de qualidade desigual, por vezes sem qualidade, sem prazos de validade. Rodava-se com a luz natural, ou quase. A realidade sem subterfúgios. Roma devastada sem retoques. O povo italiano perante a tirania brutal do invasor, os resistentes em confronto com a opressão, o sentir do cidadão comum ao lado do guerrilheiro e frente ao oficial alemão. As crianças em magotes a fazer explodir o que pudessem. Comunistas, como o engenheiro que é denunciado por uma italiana vendida por um casaco de peles, lado a lado com padres católicos que os escondem em conventos. Mulheres indomáveis que gritam a dor e são assassinadas friamente com tiros de rajadas, no meio das ruas. Torturas intoleráveis e fuzilamentos sumários. “Roma, Città Aperta” quando os nazis sentem apertar à sua volta a ofensiva aliada e recrudescer a actividade dos “partigiani”, quando a batalha individual enxameia as ruas romanas, quando o sangue se verte generosamente em nome da liberdade, numa altura em que a luta é unitária.
Quando da sua estreia, a recepção italiana não foi entusiástica. O público não queria voltar a encarar a tragédia de que apenas saía, em condições traumáticas. Mas, fora de Itália, nos EUA ou em França, a recepção foi de triunfo crítico e mesmo popular. Juntamente com outras obras, como “Sciusciá”, “Ladrões de Bicicletas”, “A Terra Treme”, chamou a atenção para a cinematografia italiana e para o que se ficaria a conhecer por neo-realismo. Rossellini aproveitou a onda para tentar explicar que alguns filmes seus anteriores, como “La Nave Bianca”, já apresentavam características semelhantes às de “Roma, Cidade Aberta”, procurando deste modo justificar ter sido ele o verdadeiro criador desta corrente, o que alguns outros, nomeadamente os críticos marxistas, Aristarco, De Santis, Verdone, entre outros, não aceitam plenamente. Para estes, o neo-realismo era uma questão moral, mas era igualmente uma questão política, onde a luta de classes não podia deixar de figurar. Rossellini tinha uma perspectiva diversa, para ele bastava apresentar a realidade na sua simplicidade, na sua secura, para se atingir um quase estado de graça, que muitas obras suas ulteriores iriam confirmar.
De resto, num elenco quase sem actores, Aldo Fabrizi é um padre de uma humanidade e doçura extrema, que consegue todavia arrostar com o seu calvário com a maior dignidade, Anna Magnani, uma mulher que se celebraria, a partir daí, como símbolo da “mamma Roma”, com um desempenho que tornaria a sua presença algo de absolutamente inesquecível (sobretudo a tão citada cena de rua em que é alvejada), e Marcello Pagliero (que, além de actor, foi ainda argumentista e realizador), um resistente admirável na obstinácia com que enfrenta a tortura e a dor.
Finalmente, ainda em 1946, o Festival de Cannes atribui o Grande Prémio ao filme e o Sindacato Nazionale dei Giornalisti Cinematografici Italiani confere o Nastro d'Argento a esta obra, considerando-a a melhor italiana do ano, bem assim como o prémio de Melhor Actriz Secundária a Anna Magnani, igualmente em 1946. Na América, o National Board of Review premeia “Roma, Cidade Aberta”, com o prémio de Melhor Filme em Língua Estrangeira e Anna Mangani como Melhor Actriz, e o New York Film Critics Circle Awards, considera-o igualmente o Melhor Filme em Língua Estrangeira no ano de 46.

ROMA, CIDADE ABERTA
Título original: Roma, Città Aperta

Realização: Roberto Rossellini (Itália, 1945); Argumento: Sergio Amidei, Federico Fellini, Roberto Rossellini, Sergio Amidei, Alberto Consiglio; Produção: Giuseppe Amato, Ferruccio De Martino, Rod E. Geiger, Roberto Rossellini; Música: Renzo Rossellini; Fotografia (p/b): Ubaldo Arata; Montagem: Eraldo Da Roma, Jolanda Benvenuti; Design de produção: Rosario Megna; Direcção de produção: Ferruccio De Martino, Mario Del Papa; Assistentes de realização: Sergio Amidei, Federico Fellini; Som: Raffaele Del Monte; Efeitos visuais: Stefano Ballirano, Stefano Camberini, Pablo Mariano Picabea, Paolo Verrucci, Stefanacci; Companhias de produção: Excelsa Film; Intérpretes: Aldo Fabrizi (Don Pietro Pellegrini), Anna Magnani (Pina), Marcello Pagliero (Giorgio Manfredi / Luigi Ferraris), Vito Annichiarico (Piccolo Marcello), Nando Bruno (Agostino), Harry Feist (Major Bergmann), Giovanna Galletti (Ingrid), Francesco Grandjacquet (Francesco), Eduardo Passarelli, Maria Michi, Carla Rovere. Carlo Sindici, Joop van Hulzen, Ákos Tolnay, Caterina Di Furia, Laura Clara Giudice, Turi Pandolfini, Amalia Pellegrini, Spartaco Ricci, Doretta Sestan, Alberto Tavazzi, etc. Duração: 100 minutos; Classificação etária: M/ 12 anos; Distribuição em Portugal: Costa do Castelo Filmes; Data de estreia em Portugal: 13 de Outubro de 1947.

SESSÃO 2: LIBERTAÇÃO

$
0
0

LIBERTAÇÃO (1946)

“Paisá” é o segundo título dedicado à “trilogia da guerra”, na qual Roberto Rossellini vai olhar a Itália ainda ocupada, mas em vésperas da libertação. Depois de “Roma, Cidade Aberta”, de 1945, e antes de “Alemanha, Ano Zero”, de 1948, este “Libertação” assume uma estrutura aparentemente invulgar, mas que de certa forma se integra plenamente no estilo e no tom usado pelo cineasta. Não se trata de uma história dramaticamente estruturada (já “Roma, Cidade Aberta” não o era, privilegiando a crónica, de apontamentos dispersos), mas de várias pequenas crónicas com alguma ordem interior a uni-las: todas se passam durante os últimos tempos da ocupação nazi (nos anos de 1943 a 1945), quando as tropas norte-americanas subiam já pela península transalpina, desde o sul, onde haviam desembarcado, com rumo ao norte, e cada episódio encontra uma lógica junto dos outros: a progressão é cronológica, do primeiro apontamento, mais antigo, para o último, mais recente, e essa progressão é igualmente geográfica, desde a Sicília, ao sul, durante o desembarque, até ao delta do rio Pó. São anotações que relatam acontecimentos protagonizados por indivíduos ou grupos sociais e que estão associados sempre a feitos, não direi heróicos, apesar de muitos o serem, mas de uma banalidade extraordinária, onde a condição humana é simultaneamente exaltada, mas igualmente vista pelo prisma contrário (conforme se olhe a opressão ou a luta pela libertação). Rossellini não elege igualmente um grupo humano como especialmente merecedor de encómios, tratando por igual o resistente comunista e o sacerdote católico, o miúdo da rua ou a mulher do povo. Também neste aspecto, “Libertação” prolonga o olhar humanista e simples de “Roma, Cidade Aberta”, marcando uma posição moral perante a Humanidade e a forma multifacetada como esta se expressa.

O argumento teve a colaboração de Alfred Hayes, Annalena Limentani, Sergio Amidei, Vasco Pratolini, Federico Fellini, Marcello Pagliero e Roberto Rossellini. Cada um dos seis episódios aparece isolado por um fundo negro, após o qual se integram algumas actualidades da época, o que confere à totalidade um tom documental muito caro a Rossellini. Digamos que as pequenas ficções prolongam harmoniosamente as imagens reais que para trás ficam, e as situam. Uma voz off completa esse enquadramento histórico. 

I. Sicília. 1943, as tropas norte-americanas desembarcam e um grupo de militares tenta chegar ao seu destino evitando os terrenos minados pelos nazis. Numa aldeia, Carmela, uma jovem italiana é “escolhida” para os guiar até junto das ruinas de um castelo que domina a região. Durante a noite, um soldado, Joe, é encarregue de ficar junto de Carmela, vigiando-a. Da desconfiança inicial, passam às confidências, perante as dificuldades da língua diferente. Uma bala de um alemão colhe Joe, Carmela é feita prisioneira pelos nazis que a tentam violar. Quando os outros norte-americanos chegam ao local, descobrem o corpo de Joe e imaginam a traição de Carmela, que todavia teve sorte bem diferente. Equívocos da guerra.

II. Numa Nápoles já libertada, onde se instalaram tropas norte-americanas, o caos social impera. As crianças tentam sobreviver através de todos os meios, entre os quais o roubo. Um miúdo encontra um soldado negro, completamente bêbado, a quem rouba as botas. Este, que trabalha para a polícia miliar, irá reencontrá-lo, desta vez a tentar roubar mercadoria de um camião. Capturado o jovem, este conduz o militar a um bairro miserável onde diz habitar e onde afirma encontrarem-se as botas roubadas. Mas tudo não passa de traumática imaginação do miúdo, cujos pais foram mortos durante os bombardeamentos. E as botas não são as daquele soldado. Equívocos da guerra.  


III. Subindo até Roma, vamos entrar na capital no dia em que esta é libertada pelos soldados aliados (6 de Junho de 1944). Francesca é uma romana jovem que acolhe um soldado americano em sua casa. Há, de um lado e do outro, olhares de pureza e de agradecimento. O soldado irá partir e voltar, meses mais tarde, e não reconhece Francesca, agora adaptada ao estilo de vida dos sobreviventes, que vendem o corpo para assegurar a vida. Num quarto de pensão particular, ela ouve as recordações amorosas desse solado que ficara preso pela imagem dessa Francesca que já não existe. Ou que existirá camuflada pelas necessidades? Francesca larga o soldado adormecido no quarto e deixa-lhe igualmente um bilhete com a morada da “anterior” Francesca. Mas o soldado acorda, amachuca o papel com a “morada de uma prostituta” e parte. Equívocos da guerra.  

IV. Florença é palco de batalha, rua a rua. Hariet, uma enfermeira americana, parte com um amigo, Massimo, que quer regressar a casa, para atravessar a cidade e chegar junto de Lupo, um pintor que se tornou chefe da resistência local. Depois de peripécias várias e perigos inumeráveis, depois de se cruzarem com um fleumático e entusiasta veterano da I Guerra Mundial que observa a guerra do alto do seu terraço, identificando cada munição que explode, Harriet e Massimo conhecem a sorte de Lupo, da boca de um moribundo que expira recolhido nos seus braços.

V. Na região da Emília-Romanha, onde a guerra ainda permanece acesa, um mosteiro recebe a visita de três capelões militares americanos. Mas dois deles são tidos como “no mau caminho”: um é protestante, o outro judeu. Trocam-se mantimentos, e os frades lembram aos americanos que o convento foi criado há mais de 500 anos, “antes ainda de Colombo ter descoberto a América”. Entre os alimentos racionados e a deliberação de “guiar ao bom caminho” os capelães “desviados”, tudo acaba na necessidade de se respeitarem as crenças de cada um.  

VI. No inverno de 1944, na região do delta do Pó, os corpos dos resistentes fuzilados pelos nazis boiam nas águas do rio, enquanto nas margens alemães e resistentes italianos e americanos trocam fogo. Um grupo tenta captar e sepultar condignamente mais um cadáver de um “partigiani”, quando é aprisionado pelos nazis, que liquidam sumariamente os italianos como “terroristas” e tratam os americanos como “prisoneiros de guerra”. Um americano revolta-se e sofre a mesma sorte dos italianos.

Ao longo destes seis episódios, que correspondem a uma outra “viagem por Itália”, no tempo e no espaço, volta a perceber-se a opção de narrativa de Rossellini. Longe das grandes ficções melodramáticas, perto dos homens comuns, não exaltando a narrativa através de qualquer tipo de efeito ou redundância, usando uma interpretação neutra, recorrendo essencialmente a actores não profissionais, tentando surpreender fundamentalmente as emoções no seu estado puro. Obviamente que o filme transborda de emoção, que se sente em cada plano a tragédia de Itália e do seu povo, que a dor marca os olhares e os gestos, que o heroísmo espreita a cada esquina, mas tudo decorre em serenidade e justeza. Um belíssimo filme que, depois de “Roma, Cidade Aberta”, lança internacionalmente Rossellini, o neo-realismo e o cinema italiano do pós-guerra.  


LIBERTAÇÃO
Título original: Paisà
Realização: Roberto Rossellini (Itália, 1946); Argumento: Sergio Amidei, Klaus Mann, Federico Fellini, Marcello Pagliero, Alfred Hayes, Vasco Pratolini, Rod E. Geiger; Produção: Rod E. Geiger, Roberto Rossellini, Mario Conti; Música: Renzo Rossellini; Fotografia (p/b): Otello Martelli; Montagem: Eraldo Da Roma; Direcção de produção: Augusto Dolfi, Ugo Lombardi, Alberto Manni; Assistentes de realização: Eugenia Handamir, Annalena Limentani, Federico Fellini, Massimo Mida; Som: Ovidio Del Grande, Valerio Secondini; Companhias de produção: Organizzazione Film Internazionali (OFI), Foreign Film Productions; Intérpretes: Carmela Sazio (Carmela), Robert Van Loon (Joe, o soldado americano), Benjamin Emanuel, Raymond Campbell, Harold Wagner, Albert Heinze, Merlin Berth, Mats Carlson, Leonard Parrish (todos no episodio I: Sicilia); Dots Johnson (Joe, o MP americano), Alfonsino Pasca (Pasquale (todos no episodio II: Napoli); Maria Michi (Francesca), Gar Moore (Fred, o soldado americano), (no episodio III: Roma); Harriet Medin (Harriet, enfermeira), Renzo Avanzo (Massimo) (no episodio IV: Firenze); William Tubbs (capitão Bill Martin) (no episodio V: Appennino Emiliano); Dale Edmonds (Dale, o agente OSS), Allan (soldado americano), Dan (soldado americano), Roberto Van Loel (soldado alemão), Cigolani (resistente) (todos no episodio VI: Porto Tolle), e ainda Giulio Panicali (narrador), Iride Belli, Lorena Berg, Pippo Bonazzi, Gianfranco Corsini, Leslie Daniels, Fattori, Elmer Feldman, Gigi Gori, Newell Jones, Giulietta Masina (jovem no episodio IV: Firenze), Carlo Pisacane, etc. Duração:126 minutos; 134 minutos (versão restaurada); Classificação etária: M/ 12 anos; Distribuição em Portugal: Costa do Castelo Filmes; Data de estreia em Portugal: 21 de Janeiro de 1949.


SESSÃO 3 ALEMANHA, ANO ZERO

$
0
0

ALEMANHA, ANO ZERO (1948)

Terceiro filme do tríptico da guerra, “Alemanha, Ano Zero” passa para o outro lado do conflito. Depois de percorrer as feridas da Itália, em “Roma, Cidade Aberta” e “Libertação”, Rossellini vai observar a Alemanha, depois da derrota. Normalmente, a História é contada pelos vencedores, aqui Rossellini está igualmente do lado dos que acabaram de ganhar a guerra, mas está interessado em ver como se vive na Alemanha destroçada, arruinada, moribunda. Não é um projecto habitual. Sobretudo na perspectiva deste cineasta, que não está interessado em mostrar os assassinos no seu habitat devastado. Rossellini procura mostrar o drama que se vive em Berlim logo a seguir à derrocada. O drama físico, as casas esventradas, a falta de alimentos, de medicamentos, de todos os bens de primeira necessidade, mas também o drama moral, psicológico, as feridas internas que uma ideologia patológica instalou na sociedade, levando-a à loucura e prolongando os seus efeitos para lá da derrota.
Saltando as fronteiras, Rossellini não abandona o seu estilo de cinema, ainda que em “Alemanha, Ano Zero” exista um pouco mais de ficção do que nos dois títulos anteriores. Surge essencialmente um protagonista que leva o filme de início a fim, e que se oferece como estrutura central da obra: o pequeno Edmund, um miúdo louro, típico representante da raça ariana, doze anos sobrecarregados de responsabilidade e investido de uma ideologia que lhe impregnou a carne, mas de que ele desconhece obviamente as consequências (apesar de ter os seus efeitos bem reflectidos ao seu redor). O velho pai está acamado, sem poder ajudar a família, e desejando que a morte o leve. O irmão mais velho esconde-se num quarto interior, com receio de que o facto de ter pertencido às forças armadas nazis o incrimine. Uma irmã sobrevive com dificuldade, e Edmund faz pela vida nas ruas arruinadas de uma Berlim apocalíptica. Um professor encontra-o e põe-no a render no mercado negro, vendendo o que pode, mesmo que sejam discos com discursos de Hitler que, reproduzidos no meio dos destroços, assombram o presente com esses ecos do passado. São, aliás, ecos do passado que Rossellini capta, alguns dos quais se reflectem nos rostos e no íntimo desses jovens industriados para o horror.
Intercalando a ficção com imagens de actualidades, buscando essa autenticidade sem retoques que é apanágio do seu cinema, o cineasta colhe planos de uma dureza assombrosa que resulta da própria realidade não manipulada e que se impõem por essa autenticidade sem mácula. O registo é invulgarmente impactante pela sua crueza.
Depois há o segredo de Rossellini a observar o jovem Edmund, oscilando entre a pureza do seu rosto de menino e a impressionante gravidade de algumas expressões que o levaram precocemente à idade adulta. Aquela é uma criança que a vida violentou, a que foi retirada a alegria de uma brincadeira, de um jogo da bola, de uma meiguice materna. Ele foi lentamente transformado numa máquina de sobrevivência, no “homem da família”, com os valores adulterados pela necessidade, com as emoções embaciadas e aturdidas. Um momento de reflexão mais doloroso leva-o à decisão drástica que marca as derradeiras imagens deste “Ano Zero”.
Raras vezes um filme consegue ser assim tão impressionante e duro. Na maioria das vezes, o cinema mostra-se “ficção”, encenação, e o espectador reage em função dessa realidade que sabe ser espectáculo. Rossellini, que todavia também “encena” e “ficciona”, apesar de se basear em factos mais ou menos verídicos, ao que consta, consegue tornar “actualidades” essas imagens. A descrição da vida quotidiana nessa Berlim destroçada de meados da década de 40, é de uma autenticidade arrepiante. As casas superpovoadas, a prostituição, os pequenos roubos, a luta pelos mantimentos mais essenciais, as discussões sobre a forma mais económica de enterrar um cadáver, e de se aproveitar cada bem desse defunto que já não precisa de botas nem de camisa, tudo isso é de uma plausibilidade que desarma. As viagens de Edmund pelos escombros de uma cidade esventrada são a desolação extrema, a abjecção impossível a que a condição humana pode chegar. Nas primeiras imagens do filme, Edmundo cava sepulturas num cemitério. É o trabalho que consegue. Há quem diga que não é trabalho para a sua idade, mas o dilema coloca-se logo a seguir: sem aquele trabalho, como sobreviver? Roubando, necessariamente.
Depois há ainda a notar que o realizador parece olhar sem julgar, deixando essa avaliação para o espectador, que se confronta com os factos sem o auxílio de qualquer juízo prévio. Rossellini mostra, foi assim, é assim. O julgamento fica reservado ao público. Uma aposta incómoda. Esse o cinema de Rossellini, que não faz filmes para entreter, mas para serem úteis, ele próprio o escreveu.
A obra surge dedicada a Romolo Rossellini, primeiro filho de Rossellini, desaparecido muito jovem num acidente, o que terá angustiado profundamente o cineasta, levando-o a atravessar um período de um niilismo sem esperança. “Alemanha, Ano Zero” é também o resultado desse doloroso percurso, onde a culpa de sobreviver parece habitar cada personagem. Muitos cineastas posteriores devem a “Alemanha, Ano Zero” inspiração, de Truffaut a Andrei Tarkovsky, de Ingmar Bergman a Wim Wenders, de Víctor Erice a Abbas Kiarostami, para só citar alguns.

ALEMANHA, ANO ZERO
Título original: Germania, Anno Zero

Realização: Roberto Rossellini (Itália, França, Alemanha, 1948); Argumento: Roberto Rossellini, com colaboração de Carlo Lizzani, Max Kolpé, Sergio Amidei, segundo uma ideia de Basilio Franchina; Produção: Roberto Rossellini, Salvo D'Angelo, Alfredo Guarini; Música: Renzo Rossellini; Fotografia (p/b): Robert Juillard; Montagem: Eraldo Da Roma; Direcção artística: Piero Filippone; Direcção de produção: Marcello Bollero, Alberto Manni, Alfredo Guarini; Assistentes de realização: Max Kolpé, Carlo Lizzani, Franz von Treuberg; Som: Kurt Doubrowsky; Companhias de produção: Tevere Film, SAFDI, Union Générale Cinématographique (UGC), Deutsche Film (DEFA); Intérpretes:Edmund Moeschke (Edmund), Ernst Pittschau (o pai), Ingetraud Hinze (Eva), Franz-Otto Krüger (Karl-Heinz), Erich Gühne (o professor), Heidi Blänkner (Frau Rademaker), Jo Herbst (Jo), Barbara Hintz (amiga de Eva), Christl Merker (Christl), Gaby Raak, Inge Rocklitz, Hans Sangen, Babsi Schultz-Reckewell, Franz von Treuberg, etc. Duração: 78 minutos; Sem estreia comercial, nem distribuição (DVD) em Portugal.

VITTORIO DE SICA (1901-1974)

$
0
0

VITTORIO DE SICA (1901-1974)

Vittorio Domenico Stanislao Gaetano Sorano De Sica nasceu a 7 de Julho de 1901, em Sora, Lazio, Itália, e viria a falecer a 13 de Novembro de 1974, com 73 anos, em Neuilly-sur-Seine, Hauts-de-Seine, França. Filho de Umberto De Sica, empregado bancário, e de Teresa Manfredi. A sua juventude não foi o que se possa dizer bafejada pela sorte. Passou por dificuldades, numa família pobre da pequena burguesia. “Umberto D.” é dedicado ao pai e de certa forma evoca esses tempos difíceis. No fim da primeira guerra mundial, diploma-se em Contabilidade e estuda no Instituto Superior de Comércio. Casado com a actriz italiana Giuditta Rissone (1937–1954) e depois com a também actriz, mas catalã, Maria Mercader (1959–1974). Pai de Emi De Sica, Manuel De Sica e Christian De Sica.
Oscilando entre a contabilidade, um emprego num banco ou o funcionalismo público, acaba por ir parar ao teatro, depois de um encontro com um amigo, Gino Sabbatini, que lhe anuncia ter entrado para a companhia da actriz Tatiana Pavlova. De Sica tenta igualmente a sua sorte e é logo admitido em pequenos papéis. Começa, pois, cedo a sua carreira de actor, no teatro e no cinema (1917). Dá os primeiros passos na companhia de Tatiana Pavlova (“Sogno d'Amore Ashanta”), passando depois pelas companhias de Luigi e Italia Almirante Manzini (“L'Art et la Maniere”), Luigi Almirante, Giuditta Rissone e Sergio Tofano, durante o período 1927- 1928, representando clássicos da cena europeia, até chegar a primeiro actor, em 1930, na companhia de Guido Salvini e passar para a de Za-Bum, dirigida por Mario Mattoli, conseguindo a sua afirmação definitiva com “Le Lucciole della Citta” (Falconi e Biancoli).
Em 1933 forma a sua própria companhia, a Sergio Tofano-Giuditta Rissone-Vittorio De Sica, que em 1935 se transforma na De Sica-Rissone-Melnatti, com um repertório de obras de tipo cómico-sentimental, em estilo de revista e musical, que, graças à boa actuação dos actores e à enorme popularidade que De Sica estava a ganhar no cinema, consegue a aceitação de todos os públicos, Em 1940, forma de novo a companhia De Sica-Rissone-Tofano (onde interpreta Goetz, Betti, PirandelIo, etc.), que se dissolve em 1942, criando De Sica diversos papéis que lhe garantem sucesso pessoal até 1945, para constituir a sua última companhia, em 1946, a De Sica-Nini Besozzi-Vivi Gioi (com um reportório onde avultam Beaumarchais, Crommelynck, Saroyan, etc.). Em 1957, representa no Festival de Veneza “L'Impresario delle Smirne”, de Goldoni, e, em 1949, “Lettere d'amore”, de Gherardi, que é a sua última aparição no teatro.
A partir daí, consagra-se exclusivamente ao cinema, como actor e realizador, actividade que iniciara em 1940 com “Rosas de Sangue” e a que, desde então, passou a dedicar grande atenção. Os seus primeiros filmes, como realizador, não suscitam grande entusiasmo crítico, são sobretudo comédias teatrais onde vai experimentando a técnica e ganhando endurance. Actor de enorme vitalidade e simpatia, um sedutor inato, bem à maneira italiana, napolitano na exuberância, a sua extensíssima filmografia como actor, mas a de realizador em particular, fazem dele um marco na história do cinema italiano, sendo um dos criadores do neo-realismo, de colaboração com o seu amigo de sempre Cesare Zavattini, do “verismo”, depois de ter passado pela onda das comédias de “telefone branco”, deixando sempre uma marca do seu inconfundível talento, sensibilidade, generosidade e personalidade.
Com “I Bambini ci Guardano” (1944) inicia uma obra pessoal, que se afirma internacionalmente, dois anos depois, com “Sciuscià”, um tremendo falhanço em Itália, um sucesso estrondoso no estrangeiro, particularmente nos EUA, onde ganha um Oscar. Com “Ladri di Biciclette” (Ladrões de Bicicletas) é o reconhecimento. Comparam-no a Chaplin, e a sua áurea mantem-se com Miracolo a Milano (O Milagre de Milão, 1951), Umberto D. (Umberto D., 1952), “Stazione Termini” (Estação Terminus, 1953), “L'Oro di Napoli” (O Ouro de Nápoles, 1954), “Il Tetto” (O Tecto, 1956) ou “La Ciociara” (As Duas Mulheres, 1961). Passa depois por um período de certo apagamento, regressando à ribalta com comédias de grande êxito, em meados da década de 60, “Ieri, Oggi e Domani” (Ontem, Hoje e Amanhã), “Matrimonio all'Italiana” (Matrimónio à Italiana) ou “Un Monde Nouveau” (Um Mundo Novo). A sua carreira estabiliza, sem o prestígio de outrora, mas com muita dignidade, com “Caccia alla Volpe” (A Raposa Dourada), “Sette Volte Donna” (Sete Vezes Mulher), “Le Streghe” (A Magia da Mulher), episódio “Una Sera come le Altre”, “Amanti” (Um Lugar para Amar), “I Girasoli” (O Último Adeus), até voltar ao Oscars com o excelente “Il Giardino dei Finzi-Contini” (O Jardim em que Vivemos, 1970). As últimas realizações não acrescem nada ao seu prestígio: “Lo Chiameremo Andrea” (O Filtro do Amor), “Una Breve Vacanza” (Pausa Breve) ou “Il Viaggio” (A Viagem, 1974).
Na televisão, interpreta “Quatro Homens Justos” (The Four Just Men, 1959), rodada em Inglaterra. Dirige igualmente uma série sobre os maiores tenores líricos.
É vasta a galeria de prémios ganha por Vittorio De Sica, onde se destacam quatro Oscars e diversas nomeações. Em 1947, Oscar Honorário para “Sciuscià”. Em 1949, Oscar de Melhor Filme em Língua não Inglesa, para “Ladrões de Bicicletas”; o mesmo Oscar em 1965, para “Ontem, Hoje e Amanhã”, e em 1972 para “O Jardim em que Vivemos”. Como intérprete, ganhou o Oscar de Melhor Actor Secundário, pela composição de major Rinaldi, no filme de 1957, de Charles Vidor, “A Farewell to Arms”; Recebe o BAFTA (British Academy Award) de 1950 para Melhor Filme, com “Ladrões de Bicicletas”; Vittorio De Sica arrecada o Interfilm Grand Prix, em 1971, no Festival de Berlim; “Milagre de Milão” ganha a Palma de Ouro do Festival de Cannes; “Umberto D.”, “Stazione Termini”, “La Ciociara” ou “L'Oro di Napoli” foram seleccionados para o mesmo Festival, onde “Il Tetto” ganha o Prémio OCIC; Nastro d'Argento para melhor realizador em 1946 por “Sciuscià”; Nastro d'Argento para a melhor película, realizador, argumento, fotografia e música do cinema italiano de 1948-1949 por “Ladrões de Bicicletas”; Nastro d'Argento para o melhor actor italiano de 1948 por “Cuore”; “Il Giardino dei Finzi-Contini” ganha o Urso de Ouro do Festival de Berlim, em 1970.
Conta-se que, durante a rodagem de “La Porta del Cielo” (A Porta do Céu, 1945), Vittorio de Sica empregou com figurantes, mais de 300 judeus e outras pessoas ameaçadas pelos nazis. Para evitar a sua captura e envio para campos de extermínio, e perante o avanço das tropas aliadas, prolongou as filmagens o mais que pode até à chegada dos Aliados, em Junho de 1944. 
Era bem conhecida, e nunca escondida, a sua paixão pelo jogo, onde perdia fortunas, pelo que por vezes trabalhava em projectos meramente comerciais para assegurar verbas para o seu vício e os seus filmes de autor. Nalguns filmes, a sua personagem projectava esse seu prazer pelo jogo (veja-se “O Conde Max” ou “O Ouro de Nápoles”).
Casado em 1937 com Giuditta Rissone, de quem teve uma filha, Emi, conhece em 1942, durante a rodagem de “Un Garibaldino al Convento”, a actriz catalã Maria Mercader (irmã de Ramon Mercader, o assassino de Trotsky), com quem passa a ter uma relação que terminará num casamento que se estende até à sua morte. Mas este casamento foi acidentado: casa com ela em 1959, no México, mas a união é considerada ilegítima em Itália, apesar de se ter divorciado de Rissone em 1954. Em 1968, obtém a nacionalidade francesa e casa, em Paris, novamente com Mercader, de quem já tinha dois filhos, Manuel, nascido em 1949, músico, e Christian, nascido em 1951, actor e realizador. Apesar de divorciado, mantinha uma vida dupla, com duas famílias. Celebrava duplamente o Natal e o Ano Novo. Para o conseguir, atrasava duas horas o relógio em casa de Mercader, e assim brindava numa e noutra casa.



FILMOGRAFIA / como realizador:
1940: Rose Scarlatte (Rosas de Sangue)
1940: Maddalena, Zero in Condotta
1941: Teresa Venerdì
1942: Un Garibaldino al Convento
1944: I Bambini ci Guardano
1945: La Porta del Cielo (A Porta do Céu)
1946: Sciuscià
1948: Cuore
1948: Ladri di Biciclette (Ladrões de Bicicletas)
1951: Miracolo a Milano (O Milagre de Milão)
1952: Umberto D. (Umberto D.)
1953: Villa Borghese
1953: Stazione Termini (Estação Terminus)
1954: L'Oro di Napoli (O Ouro de Nápoles)
1956: Il Tetto (O Tecto)
1958: Anna di Brooklyn
1961: La Ciociara (As Duas Mulheres)
1961: Il Giudizio Universale (O Último Julgamento)
1962: I Sequestrati di Altona (Os Sequestrados de Altona)
1962: Boccaccio '70 (Boccaccio '70), episódio “La Riffa”
1963: Il Boom (Negócio à Italiana)
1963: Ieri, Oggi e Domani (Ontem, Hoje e Amanhã)
1964: Matrimonio all'Italiana (Matrimónio à Italiana)
1966: Un Monde Nouveau (Um Mundo Novo)
1966: Caccia alla Volpe (A Raposa Dourada)
1967: Sette Volte Donna (Sete Vezes Mulher)
1967: Le Streghe ou The Witches (A Magia da Mulher), episódio “Una Sera come le Altre”
1968: Amanti (Um Lugar para Amar)
1970: I Girasoli (O Último Adeus)
1970: Il Giardino dei Finzi-Contini (O Jardim em que Vivemos)
1970: Le Coppie, episódio Il Leone
1971: Dal referendum alla costituzione: Il 2 giugno (Documentário)
1971: I Cavalieri di Malta (Documentário)
1972: Lo Chiameremo Andrea (O Filtro do Amor)
1973: Una Breve Vacanza (Pausa Breve)
1974: Il Viaggio (A Viagem)




FILMOGRAFIA / como actor:
1917: Il Processo Clemenceau, de Alfredo De Antoni
1927: La Bellezza del Mondo, de Mario Almirante
1928: La Compagnia dei Matti (O Clube dos Loucos), de Mario Almirante
1932: Due Cuori Felici, de Baldassarre Negroni
1932: Gli Uomini, che Mascalzoni!, de Mario Camerini
1932: La Vecchia Signora, de Amleto Palermi
1933: La Segretaria per Tutti, de Amleto Palermi
1933: Un Cattivo Soggetto, de Carlo Ludovico Bragaglia
1933: Paprika (Paprika, uma Rapariga dos Diabos), de Carl Boese
1933: La Canzone del Sole, de Max Neufeld
1934: Lisetta, de Carl Boese
1934: Il Signore Desidera?, de Gennaro Righelli
1934: Tempo Massimo, de Mario Mattoli
1935: Amo te sola, de Mario Mattoli
1935: Darò un Milione, de Mario Camerini
1936: Non ti Conosco Più, de Nunzio Malasomma
1936: Ma non è una Cosa Seria, de Mario Camerini
1936: Lohengrin, de Nunzio Malasomma
1936: L'Uomo che Sorride, de Mario Mattoli
1937: Questi Ragazzi, de Mario Mattoli
1937: Il signor Max, de Mario Camerini
1937: Napoli d'altri tempi, de Amleto Palermi
1938: La mazurka di papà, de Oreste Biancoli
1938: Partire, de Amleto Palermi
1938: Il Trionfo dell'amore, de Mario Mattoli
1938: Hanno Rapito un Uomo, de Gennaro Righelli
1938: L'Orologio a Cucù, de Camillo Mastrocinque
1938: Le Due Madri, de Amleto Palermi
1939: Castelli in Aria, de Augusto Genina
1939: Ai Vostri Ordini, Signora!, de Mario Mattoli
1939: Grandi Magazzini, de Mario Camerini
1939: Finisce sempre Così, de Enrique Telémaco Susini
1939: Rose Scarlatte (Rosas de Sangue), de Giuseppe Amato e Vittorio De Sica
1940: Manon Lescaut (Manon Lescaut), de Carmine Gallone
1940: Pazza di Gioia, de Carlo Ludovico Bragaglia
1940: Maddalena... Zero in Condotta, de Vittorio De Sica
1940: La Peccatrice, de Amleto Palermi
1941: L'Avventuriera del Piano di Sopra, de Raffaello Matarazzo
1941: Teresa Venerdì (Uma Rapariga às Direitas), de Vittorio De Sica
1942: Un Garibaldino al Convento, de Vittorio De Sica
1942: La Guardia del Corpo, de Carlo Ludovico Bragaglia
1942: Se io Fossi Onesto (Minha Mulher é um Anjo), de Carlo Ludovico Bragaglia
1943: I Nostri Sogni, de Vittorio Cottafavi
1943: Nessuno torna Indietro, de Alessandro Blasetti
1943: L'Ippocampo, de Gian Paolo Rosmino
1943: Non Sono Superstizioso... ma!, de Carlo Ludovico Bragaglia
1945: Lo Sbaglio di Essere Vivo, de Carlo Ludovico Bragaglia
1946: Il Mondo Vuole Così, de Giorgio Bianchi
1946: Roma Città Libera (Roma, Cidade Aberta), de Marcello Pagliero
1946: Abbasso la Ricchezza!, de Gennaro Righelli
1947: Lo Sconosciuto di San Marino, de Michal Waszynski e Vittorio Cottafavi
1947: Cuore, de Duilio Coletti
1947: Natale al Campo 119, regia di Pietro Francisci
1947: Sperduti nel Buio (Perdidos na Escuridão), de Camillo Mastrocinque
1949: Domani è Troppo Tardi (Amanhã Será Tarde), de Léonide Moguy
1951: Buongiorno, Elefante! (Bom Dia, Elefante), de Gianni Franciolini
1951: Cameriera Bella Presenza Offresi... (Criada, Oferece-se…), de Giorgio Pàstina
1952: Il Processo di Frine, episódio de Altri tempi (Outros Tempos), de Alessandro Blasetti
1953: L'Orso, episódio de “Il Matrimonio” (O Matrimónio), de Antonio Petrucci
1953: Incidente a Villa Borghese (Incidente a Villa Borghese), episódio de “Villa Borghese” (Villa Borghese), de Gianni Franciolini
1953: Il Fine Dicitore, episódio de “Gran Varietà” (No Palco da Vida), de Domenico Paolella
1953: Pendolin, episódio de “Cento Anni d'Amore” (Cem Anos de Amor), de Lionello De Felice
1953: Madame de... (Madame De…), de Max Ophüls
1953: Pane, Amore e Fantasia (Pão, Amor e Fantasia), de Luigi Comencini
1954: Peccato che sia una Canaglia (Que Pena Seres Vigarista), de Alessandro Blasetti
1954: Pane, Amore e Gelosia (Pão, Amor e Ciúme), de Luigi Comencini
1954: Il Divorzio (O Divórcio), episódio de Il letto (Segredos de Alcova), de Gianni Franciolini
1954: Allegro Squadrone (A Alegria no Batalhão), de Paolo Moffa
1954: Vergine Moderna (Uma Rapariga Moderna), de Marcello Pagliero
1954: Scena all'Aperto e Don Corradino, episódio de “Tempi nostri” (Os Nossos Tempos), de Alessandro Blasetti
1954: I Giocatori, episódio de “L'Oro di Napoli” (O Ouro de Nápoles), de Vittorio De Sica
1955: La Bella Mugnaia (A Bela Moleira), de Mario Camerini
1955: Gli Ultimi Cinque Minuti (Os Últimos Cinco Minutos), de Giuseppe Amato
1955: Il Segno di Venere (Sob o Signo de Vénus), de Dino Risi
1955: Pane, Amore e... (Pão, Amor e…), de Dino Risi
1955: Racconti Romani (Contos Romanos), de Gianni Franciolini
1955: Il Bígamo (Agarra-me esse Homem), de Luciano Emmer
1955: I Giorni più Belli, de Mario Mattoli
1956: Mio Figlio Nerone (Os Fins-de-semana de Nero), de Steno
1956: I Colpevoli, de Turi Vasile
1956: Souvenir d'Italie (Aconteceu em Itália), de Antonio Pietrangeli
1956: Noi Siamo le Colonne (Finalistas em Apuros), de Luigi Filippo D'Amico
1956: Padri e Figli (País e Filhos), de Mario Monicelli
1956: Tempo di Villeggiatura (Tempo de Férias), de Antonio Racioppi
1956: Montecarlo (A História de Monte Carlo), de Samuel Taylor e Giulio Macchi
1956: La Fortuna di Essere Donna (A Sorte de Ser Mulher), de Alessandro Blasetti (não creditado)
1957: Casinò de Paris (Casino de Paris), de André Hunebelle
1957: Pane, Amore e Andalusia (Pão, Amor e Andaluzia), de Javier Setó
1957: Il Conte Max (O Conde Max), de Giorgio Bianchi
1957: La Donna che Venne dal Mare (A Mulher Nascida do Mar), de Francesco De Robertis
1957: Il Medico e lo Stregone (O Médico e o Charlatão), de Mario Monicelli
1957: Vacanze a Ischia (Férias em Ischia), de Mario Camerini
1957: Totò, Vittorio e la Dottoressa (Totó, Vittorio e a Médica), de Camillo Mastrocinque
1957: A Farewell to Arms (Adeus às Armas), de Charles Vidor
1957: Amore e Chiacchiere (Amor e… Conversa), de Alessandro Blasetti
1958: Ballerina e Buon Dio (A Bailarina e o Bom Deus), de Antonio Leonviola
1958: Gli Zitelloni (Os Solteirões), de Giorgio Bianchi
1958: Kanone Serenade! ou Pezzo, Capopezzo e Capitano (A Serenata dos Canhões), de Wolfgang Staudte
1958: Anna di Brooklyn (Ana de Brooklyn), de Reginald Denham e Carlo Lastricati
1958: Domenica è Sempre Domenica, de Camillo Mastrocinque
1958: Uomini e Nobiluomini (Fidalgos e Plebeus), de Giorgio Bianchi
1958: La Ragazza di Piazza San Pietro (A Rapariga da Praça de São Pedro), de Piero Costa
1958: Nel Blu Dipinto di Blu, de Piero Tellini
1958: Policarpo, Ufficiale di Scrittura, de Mario Soldati
1958: La Prima Notte (Amor e Vigarice), de Alberto Cavalcanti
1959: Ferdinando I, Re di Napoli (Fernando I, Rei de Nápoles), de Gianni Franciolini
1959: Gastone, de Mario Bonnard
1959: Il Generale della Rovere (O General Della Rovere), de Roberto Rossellini
1959: Il Mondo dei Miracoli (O Mundo dos Milagres), de Luigi Capuano
1959: Il Moralista (O Moralista), de Giorgio Bianchi
1959: Il Nemico di Mia Moglie (O Inimigo da Minha Mulher), de Gianni Puccini
1959: Vacanze d'Inverno (Férias de Inverno), de Camillo Mastrocinque
1960: Austerlitz (Austerlitz), de Abel Gance
1960: La Sposa Bella (O Anjo Vermelho), de Nunnally Johnson e Mario Russo
1960: Le Tre Eccetera del Colonnello (Os 3 Etc. do Coronel), de Claude Boissol
1960: Le Pillole di Ercole (Hércules), de Luciano Salce
1960: Un Amore a Roma, de Dino Risi
1960: Il Vigile (O Herói da Cidade), de Luigi Zampa
1960: La Baia di Napoli (Começou em Nápoles), de Melville Shavelson
1960: La Miliardária (A Milionária), de Anthony Asquith
1961: Gli Attendenti, de Giorgio Bianchi
1961: L'Onorata Società, de Riccardo Pazzaglia
1961: Le Meraviglie di Aladino (Lâmpada de Aladino), de Mario Bava e Henry Levin
1961: I Celebri Amori di Enrico IV, de Claude Autant-Lara
1961: La Fayette, una Spada per Due Bandiere (La Fayette), de Jean Dréville
1961: I Due Marescialli (Os Dois Carabineiros), de Sergio Corbucci
1961: Gli Incensurati, de Francesco Giaculli
1961: Il Giudizio Universale (O Último Julgamento), de Vittorio De Sica
1962: Eva (Eva), de Joseph Losey
1965: Caccia Alla Volpe (A Raposa Dourada), de Vittorio De Sica
1965: Le Avventure e Gli Amori di Moll Flanders (A Vida Amorosa de Moll Flanders), de Terence Young
1966: Io, Io, Io... e Gli Altri (Eu, Eu, Eu e… os Outros), de Alessandro Blasetti
1966: Gli Altri, Gli Altri e Noi, de Maurizio Arena
1967: Un Italiano in America (A América dos Meus Sonhos), de Alberto Sordi
1968: Colpo Grosso alla Napolitana (A Maior Bolada do Mundo), de Ken Annakin
1968: The Shoes of the Fisherman (As Sandálias do Pescador), de Michael Anderson
1968: Caroline Chérie, de Denys de la Patellière
1968: L'Uomo Venuto dal Kremlino, de Michael Anderson
1969: If It's Tuesday, This Must Be Belgium, de Mel Stuart
1969: Una su 13 (Doze Mais Uma), de Nicholas Gessner e Luciano Lucignani
1970: Cose di Cosa Nostra, de Steno
1971: Trastevere, de Fausto Tozzi
1971: Io non Vedo, tu non Parli, lui non Sente (Eu Não Vejo, Tu Não Falas, Ele Não Ouve), de Mario Camerini
1972: L'Odore Delle Belve (Caçador de Escândalos), de Richard Balducci
1972: Siamo tutti in Libertà Provvisoria, de Manlio Scarpelli
1972: Grande Slalom per una Rapina, de George Englund
1972: Le Avventure di Pinocchio, de Luigi Comencini
1972: Ettore lo Fusto, de Enzo G. Castellari
1973: Piccoli Firacoli, de Jeannot Szwarc (TV)
1973: Storia de Fratelli e de Cortelli, de Mario Amendola
1973: Il Delitto Matteotti, de Florestano Vancini
1973: Viaggia, Ragazza, Viaggia, hai la Musica nelle Vene, de Pasquale Squitieri
1974: Dracula cerca Sangue di Vergine... e Morì di Sete!!! ou Blood for Dracula (Sangue Virgem  para Drácula), de Paul Morrissey e Antonio Margheriti
1974: C'Eravamo Tanto Amati (Tão Amigos que Nós Eramos), de Ettore Scola
1974: Intorno, de Manuel De Sica (curta-metragem)
1974: L'Eroe, de Manuel De Sica (TV)

SESSÃO 4: LADRÕES DE BICICLETAS

$
0
0

LADRÕES DE BICICLETAS (1948)

Um conceituado crítico de cinema norte-americano, Godfrey Cheshire, considera que “Citizen Kane” (1941) e “Ladri di Biciclette” (1948) são as duas mais importantes fontes de inspiração para o cinema moderno, e duas obras que abriram o cinema a uma idade adulta. André Bazin, um dos mais importantes críticos de cinema francês, anos antes, num estudo dedicado ao filme, desenvolvia mais ou menos a mesma teoria. Na verdade, se analisarmos as listas dos 10 melhores filmes de sempre que regularmente se estabelecem, sobretudo a partir da década de 50, veremos que as conclusões se têm mantido muito semelhantes ao longo das décadas. Estes dois filmes aparecem invariavelmente entre os primeiros lugares.
“Ladrões de Bicicletas” data de 1948, dois anos depois de Vittorio De Sica ter realizado “Sciuscia” (Engraxador de Sapatos), outro dos filmes faróis do neo-realismo, mas uns pontos a baixo da obra-prima que nos haveria de dar com “Ladri di Biciclette”. Este é o oitavo título da filmografia deste actor-realizador e testemunha bem o progressivo amadurecimento formal e a aprendizagem do doseamento dramático da sua narrativa. Que o tornam um mestre indiscutível em 1948.
A intriga central do filme é minimalista. Numa Roma saída há pouco da II Guerra Mundial, um desempregado há dois anos, arranja finalmente um emprego como colador de cartazes. O emprego municipal parece sólido, de futuro, mas impõe uma condição: o empregado tem de possuir uma bicicleta própria para deambular pela cidade, com escadote, cartazes e balde de cola. Para Antonio Ricci isso não seria problema se a sua bicicleta não estivesse no prego. Mas Maria, a esforçada e desembaraçada mulher, e o bem avontadado filho Bruno reúnem alguns haveres em casa e conseguem a quantia necessária para recuperar a bicicleta. No dia seguinte Antonio parte feliz para a sua primeira jornada de trabalho, colando nas paredes das avenidas da cidade eterna sedutores cartazes de Rita Hayworth, em “Gilda”. Num momento de descuido, porém, roubam-lhe a bicicleta e o desespero instala-se na família. Antonio corre com o filho pelas ruas e ruelas da vizinhança, à procura do ladrão. Acompanhamos a aflição e angústia que crescem, o desânimo que se avoluma, a revolta que se instala, o acto de vingança que falha, e finalmente pai e filho, de mãos dadas, continuam a caminhar pela cidade. A pé.


Numa Itália destruída pela guerra, onde a miséria e o pequeno delito crescem paredes meias, esta não é uma história invulgar. Rara, todavia, é a sensibilidade demonstrada a conduzir este enredo linear, e a fabulosa conjugação de factores que fazem da obra um filme admirável. O argumento parte de um romance de Luigi Bartolini, adaptado a cinema por uma equipa brilhante, comandada pelo grande teórico do neo-realismo Cesare Zavattini, ao lado de Suso Cecchi D'Amico, Vittorio De Sica, Oreste Biancoli, Adolfo Franci e Gerardo Guerrieri. Zavattini trabalhou com De Sica em vários outros argumentos (inclusive no já citado “Sciuscia”) e teve seguramente influência na forma como a narrativa se desenvolve de forma extremamente inteligente, sem maniqueísmos fáceis, mas reconstituído com justeza o clima humano e social daqueles tempos: entre os bairros pobres e degradados e os estádios monumentais e as escadarias imperiais, herança do fascismo mussoliniano, Antonio e Bruno não procuram apenas reaver a sua bicicleta roubada, mas vão recuperando para o espectador os fantasmas de um passado onde estão mergulhados. Todo o filme é de uma delicadeza tocante e de uma secura de processos invulgar. Não há demagogia fácil, nem slogans políticos ou sociais gritados aos sete ventos. Tudo é discretamente apontado, deixando ao espectador formar as suas considerações. A miséria existe, é visível, mas os armazéns do prego, atulhados de trouxas de roupa dizem mais do que qualquer palavra. E dizem melhor. As obras de caridade que oferecem as sopas aos pobres, fecham-nos nas igrejas, onde têm de assistir à missa para poderem aceder depois à refeição porque se espera sofregamente. As “Santonas” proliferam em terra de muita necessidade e desesperança. As filas de aflitos em busca de uma palavra de esperança, tentam decifrar os enigmas da vidente, deixando depois ficar uma nota de 50 liras, não nas mãos da santona, que as não suja de dinheiro, mas na sua colaboradora mais próxima que organiza a contabilidade da casa. Os estádios a abarrotar de entusiasmo são outro reflexo deste tempo de incerteza, bem como as camionetas carregadas de adeptos ou os comícios da desilusão.
“Ladrões de Bicicetas” é, seguramente, um dos mais perfeitos exemplos do neo-realismo, cumprindo todos os preceitos do movimento que eclodiu em Itália, ainda durante o tempo do fascismo e da guerra, para se impor definitivamente mal esta terminou. Os realizadores procuraram sair dos estúdios e ir ao encontro da realidade das ruas e dos exteriores sem maquilhagem. Procuraram temas sociais, fugindo á mentira e falsidade das comédias de “telefones brancos” e dos épicos a glorificar o mare nostrum romano e a ideia de império. Trocaram-se os actores de profissão por amadores de uma espontaneidade desarmante. A verdade é que os estúdios estavam muitos deles destruídos e a maquinaria não abundava, assim como faltava a película e a filmagem a cor se mostrava demasiado onerosa para as diminutas posses de quem queria fazer os seus filmes. Entre as condições existentes e a vontade de ultrapassar as necessidades e mostrar a realidade do país, nasceu o neo-realismo que iria ter um período de ouro durante a década de 40 e se mostraria de uma influência determinante do futuro, não só no futuro próximo do cinema italiano, em várias derivas do movimento, como internacionalmente. Seria o neo-realismo a estar na base de um outro movimento, a “nouvelle-vague” francesa, que iria surgir no final dos anos 50 e que se iria expandir em diversas formas de “cinema novo” por todo o mundo.


Há, no entanto, que não passar por cima de alguns equívocos que o movimento poderia causar. Nem por ser filmado na rua, quase sem efeitos, recorrendo a actores não profissionais, optando por temas sociais de grande actualidade, e tudo o mais que recomendava o neo-realismo, nem por tudo isso os filmes eram menos “construídos”, enquadrados, montados, até direccionados ideologicamente que qualquer outro produto cinematográfico. O simples facto de enquadrar um assunto é uma forma de manipular esse assunto. O neo-realismo não foi excepção, nem até ao momento existiu alguma forma de ultrapassar esse dado. Criar é manipular. E por vezes a manipulação que se ostenta é a mais sincera e a menos nociva, pois que a de mais fácil verificação.
De todos os modos o neo-realismo teve o condão de “limpar” o cinema de uma certa tralha fascista e de mobilizar o olhar do espectador para uma realidade diferente. Depois, a qualidade do olhar, a sensibilidade demonstrada, a emoção colocada, o rigor ou a exaltação de que cada autor deu plenas provas ao longo das suas carreiras, tudo isso iria influir na importância deste movimento. Muitos realizadores vieram para a rua filmar, com actores amadores, mas nem todos ficaram na história do cinema. Apenas os grandes motivaram esse interesse e justificaram a influência futura. Uma das razões para o sucesso internacional do neo-realismo deve-se à importância de se terem reunido num mesmo momento, em redor de uma mesma ideia, nomes como os de Zavattini, De Sica, Rossellini, Visconti, Fellini, Antonioni e alguns mais.
Voltando a “Ladrões de Bicicleta” e, como atrás já referimos, há que referir a conjugação de vários factores para tornar este título uma obra de eleição. Já salientamos a importância do argumento, da escolha dos cenários naturais, a sensibilidade e inteligência da realização, mas há ainda que referir a escolha dos actores, sem os quais o filme teria sido outro. De Sica parece que terá sido convidado para realizar a obra para o produtor David O’Selznick, imopondo estre a condição de o mesmo ser interpretado por Cary Grant. De Sica preferiu um operário de uma fábrica dos arredores de Roma, um desconhecido Lamberto Maggiorani. Presentemente o filme vive muito do rosto deste homem, bem assim como do fabuloso miúdo Enzo Staiola (Bruno Ricci), e de Lianella Carell (Maria Ricci). Em todos estes casos o acaso teve a sua importância definitiva. É a própria Lianella Carell quem conta que, sendo jornalista, foi um dia entrevistar Vittorio De Sica, na altura em que este escolhia uma popular para interpretar o papel de Maria. Quando a viu à sua frente, De Sica terá dito: “Esta é Maria”, pedindo para a jornalista realizar um teste no dia seguinte. Não sei se a entrevista se efectuou ou não, mas estava descoberta a magnífica e laboriosa mulher de Antonio Ricci, que é, em grande medida, a alma deste filme, onde as mulheres e as crianças ocupam um destacado lugar (como em quase toda a obra deste cineasta). O facto de Antonio andar a colar cartazes de “Gilda” não me parece acidental. De Sica pretendeu seguramente homenagear o cinema, homenagear a mulher (ele que sempre teve uma aureola de sedutor galanteador), ao mesmo tempo que colocava uma distância evidente entre este cinema pobre italiano e o cinema da grande indústria de Hollywood.


LADRÕES DE BICICLETAS
Título original: Ladri di Biciclette

Realização: Vittorio De Sica (Itália, 1948); Argumento: Cesare Zavattini, Suso Cecchi D'Amico, Vittorio De Sica, Oreste Biancoli, Adolfo Franci, Gerardo Guerrieri, segundo romance de Luigi Bartolini ; Produção: Giuseppe Amato, Vittorio De Sica; al Música: Alessandro Cicognini; Fotografia (p/b): Carlo Montuori; Montagem: Eraldo Da Roma; Design de produção: Antonio Traverso; Direcção de produção: Nino Misiano, Umberto Scarpelli; Assistentes de realização: Luisa Alessandri, Gerardo Guerrieri, Sergio Leone; Som: Biagio Fiorelli, Bruno Brunacci; Companhias de produção: Produzioni De Sica; Intérpretes:Lamberto Maggiorani (Antonio Ricci), Enzo Staiola (Bruno Ricci), Lianella Carell (Maria Ricci), Gino Saltamerenda (Baiocco), Vittorio Antonucci (o ladrão), Giulio Chiari, Elena Altieri, Carlo Jachino, Michele Sakara, Emma Druetti, Fausto Guerzoni, Giulio Battiferri, Ida Bracci Dorati, Nando Bruno, Eolo Capritti, Memmo Carotenuto, Giovanni Corporale, Sergio Leone (estudante do seminário), Mario Meniconi, Massimo Randisi, Checco Rissone, Peppino Spadaro, Umberto Spadaro, etc. Duração: 93 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Costa do Castelo Filmes; Classificação etária: M/6 anos; Estreia em Portugal: 20 de Novembro de 1950.

SESSÃO 5: HUMBERTO D

$
0
0

HUMBERTO D (1952)

O neo-realismo italiano iniciou-se com um belíssimo conjunto de obras, donde se destacam “Roma Citta Aperta”, de Rossellini (1945), “Riso Amaro”, de De Santis (1946), “Paisà”, de Rossellini (1946) e “Ladri di Biciclette”, de De Sica (1948), entre outras. O próprio De Sica, para lá do citado “Ladrões de Bicicletas”, já inscrevera outras obras suas nesta corrente, como “Scuisciá” ou “Milagre de Milão”, abordando temas como o desemprego, a juventude, a marginalidade, o papel da mulher, a ocupação e o pós-guerra, até chegar a “Umberto D” (1952), que alguns consideram a obra maior deste autor, preferindo-a mesmo a “Ladri di Biciclette”. Creio que nesta película a dupla De Sica-Zavattini condensa muito das suas preocupações, tendo desta feita como figura central Umberto D., um velho reformado, que traz consigo todos os problemas da velhice, numa sociedade traumatizada pela guerra e por tudo o que ela carrega. O filme é dedicado ao pai de Vittorio De Sica, de nome Umberto De Sica, e o título da obra não deixa de associar o protagonista do filme ao pai do realizador, o que este mesmo confirmou em entrevistas, afirmando que muitas das questões apresentadas pelo seu filme foram inspiradas em situações vividas no seu agregado familiar, quando ele ainda era jovem e assistia às dificuldades enfrentadas pela família.
Umberto D., o protagonista, é um reformado que procura manter todas as aparências de dignidade possível, numa época extremamente difícil da história de Itália, acabada de sair da II Guerra Mundial. Sem família próxima, vive em Roma, num modesto quarto alugado, num andar propriedade de uma locatária sem grandes escrúpulos e sem nenhuns problemas de consciência. Umberto D. tem como únicos companheiros um cão que ele acarinha o melhor que pode e uma jovem, criada da senhoria, que faz do velho seu confidente. No fundo, são três cúmplices que fazem da infelicidade uma ligação emocional e uma âncora que os agarra à vida e a alguma possível esperança. Mas os tempos estão maus, e o velho empregado de escritório, de cujo trabalho ainda guarda alguma roupa e a compostura necessária, vai tropeçando nos escolhos que uma sociedade ingrata para com a velhice lhe vai colocando, um após outro, no caminho.
Há em “Umberto D.” os mesmos princípios que nortearam todo o neo-realismo inicial, uma narrativa de rua, despojada de efeitos dramáticos, povoada por actores não profissionais (o extraordinário Carlo Battisti, que interpreta Umberto D, era um professor universitário reformado, que nunca representara em cinema), onde os problemas sociais sobressaem, mas há igualmente um salto em frente, numa nova perspectiva humana. O enquadramento psicológico do personagem central, a sua solidão tremenda, só disfarçada pela companhia de “Flick”, o seu fiel cão, e as conversas com a criada Maria, levam-nos já para um novo patamar de realismo, que se irá desenvolver, sobretudo com Rossellini e Antonioni, na década de 60.


Umberto Domenico Ferrari é uma personagem complexa, diversificada, não tem a aparência do bom velho com quem todos simpatizam à primeira, nem nada faz para sê-lo. Ele é um homem idoso, que já deixou o emprego há uns tempos, mas que procura esconder a humilhação de ser cada vez mais pobre, de a sociedade o afastar da vida com arrogância. Chega a tentar estender a mão à caridade, mas arrepende-se de imediato. Coloca Flick de chapéu na boca à espreita que nele caia uma moeda, mas também aí desiste. Recorre à sopa dos pobres, onde tenta dar de comer também ao seu cão, colocando o prato escondido debaixo das pernas, para não ser surpreendido pela instituição que não quer caninos na sala. Sente-se o desgosto de Umberto quando vê o seu modesto quarto esventrado pela senhoria que o quer ver pela porta fora, pois há dois meses que se atrasa na renda. Umberto descobre-se descartável, mais do que isso: sente que é um peso de que muitos se querem ver livres. Nem mesmo numa manifestação de reformados que protestam o seu desagrado se sente incorporado. Ele está a mais, é um ser fora de tempo, de um tempo que é de outros, de jovens com futuro, de empreendedores sem escrúpulos, de um “milagre económico” que lhe dizem que está a ser atrasado por culpa sua. A hora é de arrendar quartos, à hora, a casais adúlteros, fazer dinheiro de qualquer forma. Umberto Domenico Ferrari é o empecilho que tem de esperar à porta de casa que outros se sirvam da sua cama. Umberto e Flick irmanam-se nessa “vida de cão”. Por isso se compreende ainda melhor a cumplicidade que entre ambos se estabelece. Será, porém, Flick a salvar Umberto. Até quando?
Neste aspecto, “Umberto D.” data de 1952, mas é um filme intemporal. Podia ter sido rodado hoje, em Portugal, nos EUA, na Rússia, na China ou nos países nórdicos (basta ler a literatura actual de qualquer desses países, para se verificar que sobre este tema muito se já disse, mas muito se precisa ainda de fazer). Nalguns casos, existe mesmo um retrocesso, quer nas medidas de apoio, quer no sentimento generalizado das pessoas. No caso de Portugal, onde curiosamente se proíbe a eutanásia, a verdade é que são alguns governantes a propor a “extinção” dos velhos, improdutivos, e que só causam embaraços à segurança social. As pessoas que morrem sozinhas, em velhas casas e quartos sombrios, e são descobertas dias, meses, anos depois, são sintomáticas desse abandono. O filme de De Sica é um testemunho dramático, trágico, dessa existência sofrida e inglória, que cada vez mais faz pensar no suicídio. No pós-guerra em Itália, como hoje em dia em Portugal, onde esse acto de desespero é visto por muitos, infelizmente cada vez mais, como um gesto libertador de um dia a dia opressivo e aberrante.
Admiravelmente conduzido, com um rigor de olhar, uma sensibilidade, uma ternura sem nada de meloso, “Umberto D.” sobrevive sem uma ruga, colocando o nome do seu autor entre os maiores da sétima arte. Tão intensa como “Ladrões de Bicicletas”, a obra tem em Carlo Battisti (Umberto Domenico Ferrari) e Maria Pia Casilio (Maria, a empregada) dois actores admiráveis, fotografados com uma exigência moral invulgar pela câmara de G.R. Aldo. Uma obra-prima absoluta.



HUMBERTO D
Título original: Umberto D.

Realização: Vittorio De Sica (Itália, 1952); Argumento: Cesare Zavattini; Produção: Giuseppe Amato, Vittorio De Sica, Angelo Rizzoli; Música: Alessandro Cicognini; Fotografia (p/b): G.R. Aldo; Montagem: Eraldo Da Roma; Design de produção: Virgilio Marchi; Decoração: Ferdinando Ruffo; Direcção de produção: Nino Misiano, Roberto Moretti; Assistentes de realização: Luisa Alessandri, Franco Montemurro; Departamento de arte: Italo Tomassi; Som: Ennio Sensi; Companhias de produção: Rizzoli Film, Produzione Films Vittorio De Sica, Amato Film; Intérpretes: Carlo Battisti (Umberto Domenico Ferrari), Maria Pia Casilio (Maria, a empregada), Lina Gennari (Antonia Belloni), Ileana Simova, Elena Rea, Memmo Carotenuto, Alberto Albani Barbieri, Pasquale Campagnola, Riccardo Ferri, Lamberto Maggiorani, De Silva, etc. Duração: 89 minutos; Distribuição em Portugal: Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 18 de Março de 1953.  

SESSÃO 6: O MILAGRE DE MILÃO

$
0
0


O MILAGRE DE MILÃO (1951)

"Miracolo a Milano" resulta de uma nova colaboração entre de Sica e Zavattini, desta feita adaptando um romance deste último ("Totò il buono"). Trata-se de uma curiosa variante do neo-realismo, pois apesar de tudo se passar na mais pura e desabrigada realidade social italiana do após guerra, o tom não é realista, mas parabólico. Na verdade, como o próprio título indica, estamos hipoteticamente no campo do milagre, com o aparecimento na Terra de um bebé, Totò, que é adoptado pela velha Lolotta, quando descoberto no meio das couves da sua pequena quinta. Tratado como um filho, Totò revela-se um ser diferente de todos os outros. Mais tarde, por morte de Lolotta, a criança é entregue a um orfanato, donde sai adulto (no plano imediatamente seguinte, uma excelente elipse temporal). Apesar de viver na maior miséria, passar as maiores privações, coexistir com os maiores dramas, nunca apaga do rosto um sorriso, nunca desespera, procura sempre ultrapassar as dificuldades e encontrar uma solução. Não só para si, como para todos os que o rodeiam. E quem o rodeia são pobres miseráveis, sem nada a que se agarrarem, mas por vezes egoístas e mesquinhos. Totò a todos se mostra prestável, a todos ajuda, a todos incute uma esperança desmedida no amanhã. Totò gosta de viver e gosta de saber os seus semelhantes o mais felizes possível.
Para isso transforma radicalmente o bairro da lata onde vive, “urbaniza-o”, cria ruas e sistematiza as tarefas, dá nomes educativos às ruas e praças, ajuda cada pessoa como pode, e certamente que o seu sorriso permanente é uma das mais preciosas benesses. É contagiante e propaga-se pelo bairro, desencadeando reacções em cadeia. Até ao dia em que o baldio abandonado onde se encontra o bairro da lata se transforma numa apetecível jazida de petróleo, que desperta a cobiça dos capitalistas habituais que aparecem em bando, rodeados de polícias, para reivindicarem o terreno e expulsarem os miseráveis que ali habitam. Mas aí a parábola torna-se mais contundente. A velha Lolotta, que entretanto tinha já, literalmente, viajado para os anjinhos, regressa com uma miraculosa pomba branca que faz realmente milagres. Nem sempre muito bem compreendidos pelos caprichosos mendigos que solicitam os mais descabidos prodígios. Se De Sica e Zavattini atingem com a sua crítica os poderosos que não recuam perante nada para multiplicarem o seu lucro, não é menos verdade que não hesitam em reprovar a falta de realismo desses pobres que gostam de ostentação e de luxo, e cuja principal ambição parece ser tornarem-se iguais aos capitalistas que combatem.


Impressionante é a lucidez da estrutura narrativa e o tom de quase comédia musical que por vezes se instala no filme e nos contagia a nós, espectadores. Esta é uma daquelas obras que procuram difundir a bondade e a fraternidade social, e consegue-o de uma forma que diríamos ingénua e pura, mas que atinge plenamente a ambição inicial. Sai-se do filme revigorado, tonificado pela presença desse espantoso Francesco Golisano que interpreta a personagem de Totò, uma daquelas figuras que nunca mais se esquecem e que os puros de espírito não deixarão seguramente de perseguir ao longo da vida. A lição de solidariedade, ao contrário do que possa parecer a uma primeira vista, ganha consistência e vigor por se expressar em forma de parábola, onde o “milagre” afinal é algo de profundamente humano e possível de alcançar: basta reunir esforços, acreditar na razão que nos assiste e lutar por ela. Podem dizer que não é voando sobre os céus de Milão, montado em paus de vassoura, que os problemas sociais se resolvem, mas é seguramente com o espírito amável, mas firme, de Totò, com a sua perseverança e alegria, com a sua generosidade aberta ao próximo, que muitos conflitos se podem dissolver na força da comunidade.
De Sica não foge à realidade dilacerante de uma cidade destruída pela guerra e por dificuldades económicas insustentáveis. A realidade que “Milagre em Milão” apresenta é desesperante e é o retrato vivido por Itália depois de terminada a onda megalómana e destrutiva do fascismo mussoliniano. Para derrotar esse monstro que assassinou vidas e esventrou cidades temos a inocência do olhar, a delicadeza do gesto, a ingenuidade da palavra de Totò que parece desconhecer o mal, a ganância, a vaidade, a violência de quem a ele se opõe. Totò vislumbra, para lá da triste e cinzenta realidade que o cerca, uma sociedade nova, fraterna, solidária, humana nos seus melhores momentos. É verdade que os pobres com quem Totò se cruzam são, na sua generalidade, maus, invejosos, ignorantes, egoístas, traidores. Mas o protagonista, uma personagem ideal, produto de um óbvio “milagre”, opõe-se a esta situação e procura projectar um novo horizonte. Será na fraternidade, na generosidade, na cumplicidade que se poderá construir o futuro. Eis como o “milagre” se pode ligar a algum pensamento marxista-leninista, já que muita da base do neo-realismo se encontra associado a uma teoria comunista da arte. Zavattini era comunista e De Sica, embora nunca o tenha sido, ao que se sabe, terá funcionado como “compagnon de route”.


O tom de comédia que critica habilmente usos e costumes, que vão da avidez dos milionários ao racismo dos pobres, da mesquinhez de Rappi, que trai companheiros por um casaco com gola de pele e um chapéu alto (um dos brilhantes trabalhos do Paolo Stoppa, um actor já nessa altura com uma prodigiosa carreira dispersa pelo teatro e pelo cinema, um dos raros profissionais a integrar o elenco do filme) à inveja de uns quantos e à ostentação de outros, esse tom de comédia é muito bem desenvolvido por De Sica, com recurso sobretudo a uma lirismo austero e a uma interpretação refreada e contida. Este tipo de parábola poderia desencadear uma vaga de mau gosto insuportável, mas tanto De Sica como os seus cúmplices conseguem o “milagre” de manter o filme num ritmo e numa toada que não só suporta bem as peripécias narradas, como as sustenta num nível deliciosamente bem-humorado, sem nunca perder a perspicácia crítica.
O realismo descarnado de “Ladrões de Bicicletas” cede aqui perante o maravilhoso e o poético, conseguindo, no entanto, ambas as obras participarem de um mesmo olhar, de uma mesma sensibilidade, de uma mesma inocência e pureza.


O MILAGRE DE MILÃO
Título original: Miracolo a Milano
Realização: Vittorio De Sica (Itália, 1951); Argumento: Vittorio De Sica, Suso Cecchi D'Amico, Mario Chiari, Adolfo Franci, Cesare Zavattini, segundo romance deste último ("Totò il buono"); Produção: Vittorio De Sica; Música: Alessandro Cicognini; Fotografia (p/b): G.R. Aldo; Montagem: Eraldo Da Roma; Design de produção: Guido Fiorini; Direcção artística: Guido Fiorini; Guarda-roupa: Mario Chiari; Direcção de produção: Carmine Bologna, Nino Misiano, Umberto Scarpelli; Assistentes de realização: Luisa Alessandri, Umberto Scarpelli; Departamento de arte: Italo Tomassi; Som: Bruno Brunacci; Efeitos especiais: Enzo Barboni, Ned Mann, Václav Vích; Companhias de produção: Ente Nazionale Industrie Cinematografiche (ENIC), Produzioni De Sica; Intérpretes: Emma Gramatica (a velha Lolotta), Francesco Golisano (Totò), Paolo Stoppa (Rappi), Guglielmo Barnabò (Mobbi), Brunella Bovo (Edvige), Anna Carena (Marta), Alba Arnova, Flora Cambi, Virgilio Riento, Arturo Bragaglia, Erminio Spalla, Riccardo Bertazzolo, Checco Rissone, Angelo Prioli, Giuseppe Berardi, Gianni Branduani, Enzo Furlai, Jerome Johnson, Renato Navarrini, Egisto Olivieri, Luigi Ponzoni, Piero Salonne, Jubal Schembri, Walter Scherer, Giuseppe Spalla, etc. Duração:100 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Costa do Castelo Filmes; Classificação etária: M/12 anos; Estreia em Portugal: 15 de Janeiro de 1952. 

LUCHINO VISCONTI (1906 -1976)

$
0
0

LUCHINO VISCONTI (1906 -1976)

Don Luchino Visconti di Modrone, conde de Lonate Pozzolo, nasceu em Milão, a 2 de Novembro de 1906 e faleceu em Roma, de 17 de Março de 1976, e era descendente da aristocrática família milanesa dos Visconti. Filho de Giuseppe Visconti, duque de Grazzano, e de Carla Erba (proprietária e herdeira de uma célebre empresa farmacêutica), Luchino tinha mais seis irmãos. Prestou o serviço militar como sub-oficial de cavalaria em 1926, no Piemonte, e viveu os anos de sua juventude cuidando dos cavalos de sua propriedade. Além disso, era frequentador assíduo do belo canto e da estética do melodrama, ambas influências notórias na sua actividade futura.
O seu interesse pelo cinema data de 1936, quando em França a sua amiga Coco Chanel o apresentou a Jean Renoir que o onvidou a trabalhar no seu filme "Une Partie de Campagne". Em 1937 passou por Hollywood antes de retornar a Roma. Na capital italiana voltou a trabalhar com Renoir na direcção de “La Tosca”.
A partir de 1940 ligou-se aos intelectuais que faziam o jornal “Cinema” e vendeu jóias da família para realizar seu primeiro filme, "Ossessione", em 1943, com Clara Calamai e Massimo Girotti. No fim da II Guerra Mundial realizou o segundo filme, o documentário "Giorni di Gloria". Aristocrata por nascimento, mas comunista por convicção, foi contratado pelo Partido Comunista Italiano para realizar três filmes sobre pescadores, mineiros e camponeses da Sicília, acabou por fazer apenas um, "La Terra Trema".
Depois, em 1951, roda "Bellissima" com Anna Magnani, Walter Chiari e Alessandro Blasetti. O seu primeiro filme a cores foi em 1954, "Sentimento" (Senso) com Alida Valli e Farley Granger. O primeiro grande prémio da crítica chega em 1957, quando ele recebe o Leão de Ouro do Festival de Cinema de Veneza pela fita "Le Notti Bianche", uma transposição delicada e poética de uma história de Dostoievski com Marcello Mastroianni, Maria Schell e Jean Marais.
O primeiro grande sucesso de crítica e de público ocorreria em 1960 com "Rocco e seus Irmãos", a saga de uma humilde família de calabreses que emigrava para Milão. Foi o filme que consagrou o actor francês Alain Delon ao lado de Annie Girardot e Renato Salvatori. No ano seguinte junta se a Vittorio De Sica, Federico Fellini e Mario Monicelli no filme em episódios "Boccaccio '70. O episódio de Visconti é protagonizado por Tomas Milian, Romy Schneider, Romolo Valli e Paolo Stoppa.
Em 1963 dirige o seu maior sucesso comercial e simultaneamente um dos filmes mais elogiados pela crítica, o magnifico "O Leopardo", extraído do romance homónimo de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes, onde se destacavam Burt Lancaster, Claudia Cardinale e Alain Delon.
“Sandra” Vagas Estrelas da Ursa, um mergulho inquieto e melancólico na capacidade dos seres sensíveis para se destruírem amorosamente, com Claudia Cardinale e Jean Sorel, realizado em 1965 foi a obra seguinte. Em 1970 ele conhece o fracasso de uma obra sua, com “O Estrangeiro”, extraído do romance homónimo de Albert Camus e realiza também "Os Malditos" (La Caduta degli Dei) que lançou o actor Helmut Berger, a partir dai seu companheiro até à morte.
Com o sensível e refinado " Morte em Veneza" (1971), protagonizado por Dirk Bogarde e baseado na obra de Thomas Mann, volta a reencontrar-se com o êxito, ao abordar a  história de Gustav Aschenbach, um compositor que vai passar férias em Veneza, e acaba por viver uma grande e inesperada paixão, que iniciaria a sua destruição. O filme faz uma abordagem do conceito filosófico de beleza, assim como a passagem do tempo a importância da juventude nas nossas vidas. O filme seguinte foi a super produção  "Ludwig", com Helmut Berger e Romy Schneider. Durante a rodagem, sofre um ataque cardíaco que o prendeu a uma cadeira de rodas para sempre.
Mesmo em muita dificuldade, Luchino Visconti ainda faz dois filmes, “Violência a Paixão” (Gruppo di Famiglia in un Interno) e “O Inocente” (L'Innocente), derradeira obra, versão do romance de Gabriele d'Annunzio que regista brilhantes interpretações de Giancarlo Giannini e Laura Antonelli. Morre na primavera de 1976 na sua residência na cidade de Roma. Na Ilha de Ischia existe um museu que lhe é inteiramente dedicado.


Filmografia
1943: OSSESSIONE (Obsessão)
1948: LA TERRA TREMA (A TerraTreme)
1951: BELLISSIMA (Belissima)
1953: SIAMO DONNE (Nós, Mulheres) (episódio “ANNA MAGNANI”) 
1954: SENSO (Sentimento)
1957: LE NOTTI BIANCHE (Noites Brancas)
1960: ROCCO I SUOI FRATELLI (Rocco e os Seus Irmãos)
1961: BOCCACCIO '70 (Boccaccio ’70) (episódio “IL LAVORO”) 
1963: IL GATTOPARDO (O Leopardo)
1965: VAGHE STELLE DELL'ORSA... (Sandra)
1966: LE STREGHE (A Magia da Mulher) (episódio “LA STREGA BRUCIATA VIVA”)
1967: LO STRANIERO (O Estrangeiro)
1969: LA CADUTA DEGLI DEI (Os Malditos)
1971: MORTE A VENEZIA (Morte em Veneza)
1973: LUDWIG (Luis da Baviera)
1974: GRUPPO DI FAMIGLIA IN UN INTERNO (Violência e Paixão)
1976: L'INNOCENTE (O Inocente)

Documentários
1945: GIORNI DI GLORIA
1951: DOCUMENTO MENSILE N. 2, episódio “APPUNTI SU UN FATTO DI CRONACA”
1970: ALLA RICERCA DI TADZIO

Teatrografìa
Como encenador
Parenti terribili,de Jean Cocteau (1945)
Quinta colonna, de Ernest Hemingway (1945)
La macchina da scrivere, de Jean Cocteau (1945)
Antigone de, Jean Anouilh (1945)
A porte chiuse, de Jean-Paul Sartre (1945)
Adamo, de Marcel Achard (1945)
La via del tabacco, de John Kirkland (sobre romance de Erskine Caldwell) (1945)
Il matrimonio de Figaro, de Pierre Augustin Caron De Beaumarchais (1946)
Delitto e castigo, de Gaston Bary (sobre romance de Dostoevskij) (1946)
Zoo de vetro, de Tennessee Williams (1946)
Euridece, de Jean Anouilh (1947)
Rosalinda o Come vi piace, de William Shakespeare (1948)
Un tram che si chiama desiderio, de Tennessee Williams (1949)
Oreste, de Vittorio Alfieri (1949)
Troilo e Clessidra, de William Shakespeare (1949)
Morte de un commesso viaggiatore, de Arthur Miller (1951)
Un tram che si chiama desiderio, de Tennessee Williams (1951)
Il seduttore, de Diego Fabbri (1951)
La locandeera, de Carlo Goldoni (1952)
Tre sorelle, de Anton Tchechov (1952)
Il tabacco fa male, de Anton Tchechov (1953)
Medea, de Euripide (1953)
Come le foglie, de Giuseppe Giacosa (1954)
Il Crogiuolo, de Arthur Miller (1955)
Zio Vania, de Anton Tchechov (1955)
Contessina Giulia, de August Strindberg (1957)
L'impresario de Smirne, de Carlo Goldoni (1957)
Uno sguardo dal ponte, de Arthur Miller (1958)
Immagini e tempi, de Eleonora Duse (1958)
Veglia la mia casa, angelo de Ketti Frings (sobre romance de Thomas Wolfe) (1958)
Deux sur la balançoire, de William Gibson (1958)
I ragazzi della signora Gibbons, de Will Glickman e Joseph Stein (1958)
Figli d'arte, de Diego Fabbri (1959)
L'Arialda, de Giovanni Testori (1960)
Dommage qu'elle soit une p..., de John Ford (1961)
Il tredecesimo albero, de André Gide (1963)
Après la chute de, Arthur Miller (1965)
Il giardeno dei ciliegi, de Anton Tchechov (1965)
Egmont, de Wolfgang Goethe (1967)
La monaca de Monza, de Giovanni Testori (1967)
L'inserzione, de Natalia Ginzburg (1969)
Tanto tempo fa, de Harold Pinter (1973)

Encenação de óperas:
La vestale de Gaspare Spontini (1954)
La sonnambula de Vincenzo Bellini (1955
La Traviata de Giuseppe Verdi (1955)
Anna Bolena de Gaetano Donizetti (1957)
Ifigenia in Tauride de Christoph Willibald Gluck(1957)
Don Carlos de Giuseppe Verdi (1958)
Macbeth de Giuseppe Verdi (1958)
Il Duca d'Alba de Gaetano Donizetti (1959)
Salomé de Richard Strauss (1961)
Il diavolo in giardino de Franco Mannino (sobre um libretto de Visconti, Filippo Sanjust e Enrico Medeoli, 1963)
La Traviata de Giuseppe Verdi (1963)
Le nozze de Figaro de Wolfgang Amadeus Mozart (1964)
Il Trovatore de Giuseppe Verdi (1964)
Il Trovatore de Giuseppe Verdi (1964) (nova versão)
Don Carlos de Giuseppe Verdi (1965)
Falstaff de Giuseppe Verdi (1966)
Der Rosenkavalier de Richard Strauss (1966)
La Traviata de Giuseppe Verdi (1967)
Simon Boccanegra de Giuseppe Verdi (1969)
Manon Lescaut de Giacomo Puccini (1973)

Principais prémios:
Nomeação para o Oscar de Melhor Argumento Original, por "La Caduta degli dei" (1969).
Nomeação para o BAFTA de Melhor Realizador, por "Morte a Venezia" (1971).
Dois Prémios Bodil de Melhor Filme Europeu, por "Rocco e i suoi fratelli" (1960) e " Morte a Venezia " (1971).
Palma de Ouro no Festival de Cannes, por "Il Gattopardo" (1963).
Prémio do 25º Aniversário no Festival de Cannes, por "Morte a Venezia" (1971).
Leão de Ouro no Festival de Veneza, por "Vaghe stelle dell'Orsa...” (1965).
Leão de Prata no Festival de Veneza, por "Le Notti bianche" (1957).
Prémio Especial no Festival de Veneza, por "Rocco e i suoi fratelli" (1960).

Prémio FIPRESCI no Festival de Veneza, por "Rocco e i suoi fratelli" (1960). 

SESSÃO 7: A TERRA TREME

$
0
0


A TERRA TREME (1948)

Em 1943, Visconti estreia com polémica, seguida de proibição total da censura “Obsessão”. No mesmo ano, a 23 de Julho, Mussolini é preso e o seu sucessor, Pietro Badoglio, dissolve o partido fascista. Os alemães reagem, invadem a Itália, entram em Roma. A casa real e o governo deslocam-se para o Sul, onde ingleses e norte-americanos tinham desembarcado, libertando a zona de fascistas. A Itália é um país inseguro e Visconti, como a maioria dos artistas e intelectuais anti-fascistas, vive em sobressalto. Em Roma a sua casa serve de refúgio, é assaltada pelas forças policiais, os amigos são presos, um deles aparece assassinado na fossa Ardeatine. Visconti também é preso, a 15 de Abril de 1944, e encarcerado na Pensão Jaccarino, onde se encontrava a Esquadra Especial Italiana, depois transferido para San Gregorio, um hospital prisão, mas por pouco tempo. A 4 de Junho, as forças aliadas entram em Roma e é libertado. A guerra ainda não acabou, mas inicia-se a reconstrução de uma nova estrutura social. Visconti integra o grupo de homens de cinema que institui a “Unione Lavoratori dello Spettacolo”, ao lado de Umberto Barbaro, Mario Camerini, Mario Chiari, Mario Soldati, que organiza a primeira purga de colaboracionistas. Mas, ao mesmo tempo, é urgente regressar à actividade criativa. Visconti pensa e escreve vários guiões que, por uma razão ou outra, não se concretizam. Volta-se então para o teatro e encena, entre 45 e 47, onze peças, com bons resultados, de autores como Anouilh, Sartre ou Cocteau.
Entretanto, os alemães rendem-se a 28 de Abril de 1945. No início do ano seguinte haverá um referendo para se saber se os italianos querem a república ou a monarquia. Visconti escreve no “L’Unitá”, órgão do Partido Comunista Italiano, um artigo: “Por que votarei no Partido Comunista?”. A república ganha e o Rei Humberto II exila-se em Portugal. Nas boas graças do PC, é apresentado por Antonello Trombadori, companheiro dos tempos da Resistência e amigo pessoal, a Palmiro Togliatti, secretário-geral do partido e ambos convidam-no a realizar um filme documental sobre a vida miserável e as condições terríveis de sobrevivência dos pescadores do Sul da Itália, que iria servir na campanha eleitoral que se avizinhava, em 1948. É assim que nasce “La Terra Trema”, que irá misturar o documentarismo com uma ficção, “I Malavoglia”, de Giovanni Verga, escritor que o cineasta muito estimava. “I Malavoglia” é o primeiro volume de um ciclo romanesco chamado “I Vinti” (Os Vencidos, na tradução literal), publicado em 1881.


Giovanni Verga (1840-1922), oriundo da Catânia (Sicilia), é o mais importante representante de uma corrente literária e artística conhecida por verismo, que surgiu acompanhando o Risorgimento e a unificação italiana, em finais do séc. XIX. Prolongando de certa forma o naturalismo francês de Zola, o verismo procura uma verdade e autenticidade para com a realidade circundante, sobretudo no que diz respeito às classes mais humildes e desprotegidas, às minorias étnicas, dando especial atenção à vida na província (inclusive aos dialectos regionais, como é o caso de “I Malavoglia”, transposto para “La Terra Trema”), na fábrica, no campo, no mercado, no mar.
Em 1941, antes de rodar “Ossessione”, Luchino Visconti já sonhava adaptar Verga, e chegou a escrever um artigo na revista “Cinema”, onde dizia: “É natural para quem acredite sinceramente no cinema, voltar os olhos com nostalgia para as grandes construções narrativas dos clássicos do romance europeu, e considerá-los hoje em dia talvez a fonte de inspiração mais verdadeira. Foi com essas ideias na cabeça que, passeando um dia pelas ruas da Catânia, e percorrendo as planícies de Caltagirone numa manhã de sirocco, que me apaixonei por Giovanni Verga”.
“La Terra Trema” passa-se, pois, na Sicilia, mais precisamente no pequeno posto pesqueiro de Aci Trezza, na década de 20. Com uma aparência documental, sem actores profissionais, recrutando os intérpretes entre os habitantes da aldeia, que improvisavam diálogos apenas indicados pelos argumentistas, o filme acompanha sobretudo a família dos Valastros. São pescadores, passam as noites arriscando a vida no mar, regressam com os barcos carregados de pesca, mas o que recebem é ínfimo, pois entre eles e a venda do seu produto ao público interpõem-se os intermediários, os grossistas que compram por atacado ao preço que impõem. Um dos Valastros, ’Ntoni, farto de ser explorado, resolve trabalhar por conta própria, compra o seu barco e tenta sobreviver sem os intermediários. Mas estes têm formas de coacção para todos os expedientes, e a pobreza e a ignorância da comunidade faz o resto.
O filme procura sobretudo ser retrato do dia-a-dia da comunidade, sublinhando as dificuldades e agruras. A câmara de Visconti denota uma sensibilidade extrema a captar as imagens, sentindo-se obviamente a influência de alguns soviéticos, como Eisenstein ou Pudovkine, na composição dos grupos humanos e na forma de enquadrar. O trabalho de realização foi minuciosamente preparado, com anotações e “story boards” que podem ainda ser consultados. Mas o mais importante é o sentido lírico e a verdade humana das imagens, a grandeza de um fôlego épico que perpassa pelas paisagens e pelos rostos.


A fotografia, a preto e branco, de Aldo Graziati, assistido por Gianni Di Venanzo, ajuda bastante ao excelente resultado final, onde se nota, sem surpresa, algum simplismo de análise, quase roçando a demagogia e o maniqueísmo que, todavia, se devem interpretar como fruto da época. Há, porém, quem afirme que este será um produto único na filmografia neo-realista. Lino Miccichè tem para si que este é o único filme do pós-guerra que não procura a conciliação, que não tem ilusões quanto à vitória, que não se consola com falsas certezas, que não oferece anjos libertadores, solidariedades fictícias, piedades mudas, refúgios sentimentais. Mas que, descrevendo uma luta, se fecha sobre essa luta, com amargura e “realismo”, na solidão de quem luta”.
Luchino Visconti e Antonio Pietrangeli adaptaram o romance de Giovanni Verga, e o cineasta contou com dois assistentes que, futuramente, se tornariam igualmente realizadores de importância significativa, Francesco Rosi e Franco Zeffirelli. A montagem de Mario Serandrei é igualmente excelente, e a música de Willy Ferrero e Luchino Visconti acompanha com rigor as imagens, criando algum dramatismo, na medida certa. Rodado entre Novembro de 1947 e Maio de 1948, em Aci Trezza, estreou-se no Festival de Veneza a 18 de Agosto, com muito bom acolhimento crítico (ganhou o “Leão de Ouro”) e a 2 de Setembro em toda a Itália, com pouca adesão de público.
Inicialmente, o projecto seria produzido pelo próprio PC italiano, que arranjou 3 milhões de liras para o efeito. Mas quando esta quantia acabou, e o filme não ia a metade, o partido não conseguiu nada mais, e Visconti contou com o apoio do produtor siciliano Salvo d'Angelo, da companhia Universalia e ainda algum capital do Banco da Sicília.
O filme, inicialmente, chamava-se “La Terra Trema: Episodio del Mare”, dado que se esperava continuá-lo com mais dois ou três episódios, testemunhando momentos da luta por melhores condições de vida em diferentes cenários. Depois do mar, seria um olhar sobre as minas de enxofre, outro sobre a terra, e possivelmente um quarto sobre a cidade, que seria filmado em Caltanissetta. Finalmente Visconti achou que este episódio era suficiente e a obra começou a ser conhecida unicamente por “La Terra Trema”.


A TERRA TREME
Título original: La Terra Trema: Episodio del Mare 
Realização: Luchino Visconti (Itália, 1948); Argumento: Antonio Pietrangeli, Luchino Visconti, segundo romance de Giovanni Verga; Produção: Salvo D'Angelo; Música: Willy Ferrero; Fotografia (P/B): G.R. Aldo; Operador de Imagem: Gianni Di Venanzo; Montagem: Mario Serandrei; Direcção de produção: Anna Davini, Renato Silvestri; Assistentes de realização: Francesco Rosi, Franco Zeffirelli, Demofilo Fidani; Som: Ovidio Del Grande, Mario Ronchetti, Vittorio Trentino; Companhia de produção: Universalia Film; Intérpretes: Antonio Arcidiacono, Giuseppe Arcidiacono, Venera Bonaccorso, Nicola Castorino, Rosa Catalano, Rosa Costanzo, Alfio Fichera, Carmela Fichera, Rosario Galvagno, Agnese Giammona, Nelluccia Giammona, Giovanni Greco, Ignazio Maccarone, Giovanni Maiorana, Antonino Micale, Maria Micale, Concettina Mirabella, Angelo Morabito, Pasquale Pellegrino, Amilcare Pettinelli, Antonio Pietrangeli, Alfio Valastro, Antonino Valastro, Francesco Valastro, Lorenzo Valastro, Raimondo Valastro, Salvatore Valastro, Santo Valastro, Sebastiano Valastro, Giuseppe Vicari, Salvatore Vicari, etc. (Não profissionais e não creditados no genérico); Narrador: Luchino Visconti; Duração: 160 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Costa do Castelo; Classificação etária: M/ 12 anos.

SESSÃO 8: BELISSIMA

$
0
0

BELÍSSIMA (1952)

“Bellissima” parte de uma ideia de Cesare Zavattini, mas, segundo se sabe, muito alterada pelo realizador e os seus colaboradores argumentistas, Suso Cecchi d'Amico e Francesco Rosi. Mas há também quem afirme, muito embora mantendo o facto da ideia inicial ter sido escrita por Zavattini, que Visconti ficou interessado neste filme quando um dia marcou um teste para crianças na Cinecittà e apareceram centenas de mães com as filhas, acorrendo à chamada, tal como as vemos no início da obra. O mais certo é que ambas as hipóteses estejam certas e uma à outra se completem.
Interessante será, todavia, perceber o que era a ideia original de Zavattini e as principais modificações introduzidas. Vejamos, portanto, o que é o filme: Maddalena Cecconi (Anna Magnani) é uma mulher popular, uma romana típica, intrépida e imparável no discurso, que tem uma filha, Maria, e sabe que o realizador Alessandro Blasetti procura uma criança de 6 ou 7 anos para protagonizar o seu próximo filme. Contra o parecer do pai leva-a á primeira audição, onde tem de disputar o lugar ao lado de centenas de outras candidatas. Aldraba na idade, mas depois tudo faz para que Maria vá ate final, arranja-lhe o melhor vestidinho possível, leva-a ao cabeleireiro, oferece-lhe aulas de música, deixa-se convencer por uma velha actriz que quer dar aulas de representação à miúda, e vai distribuindo injecções pelo bairro todo para pagar os gastos. Atira-se mesmo às economias que se destinavam à nova casa. Ela quer que a sua filha, triunfe, seja uma vedeta, entre no cinema que tanto a fascina. Nem que tenha de pagar uma bela quantia para meterem cunhas a este e àquela, dinheiro que acaba por ficar nas mãos fraudulentas de Alberto Annovazzi (Walter Chiari), que com ele compra uma lambreta. Alberto gostaria de levar o seu encanto um pouco mais longe, mas a decência de Maddalena impede-o.
O cinema, aliás, é fonte de devaneio para todas aquelas mães que sonham com igual destino para as suas filhas. É o fascínio do cinema a impor-se sobre a realidade do dia-a-dia. Maddalena vive num bairro pobre, arranja discussões constantes com o marido que a vai aturando, não é bem vista pela sogra, e tem as vizinhas à perna cada vez que os gritos em sua casa chegam às escadas. Por esta altura, nos anos 50, a crítica marxista falava muito da alienação, e gostava de chamar ao cinema uma “fábrica de sonhos”, em oposição ao cinema que propunham, um olhar directo sobre a realidade e os seus problemas, se possível com uma orientação bem expressa no sentido dos seus propósitos.

“Belissima” é, pois, a análise de uma alienação, a alienação pelo espectáculo, pelo cinema. Mais tarde, em “Rocco e os seus Irmãos” será o boxe, hoje em dia pode e deve continuar-se a falar de alienação quanto aos “reality shows”, ao mundo do espectáculo, sobretudo na música, às telenovelas, onde se revelam centenas de “novas promessas”, muitas das quais fica pelo primeiro ensaio, ao universo do desporto, sobretudo o futebol. Andy Warhol chamou-lhe a necessidade de “quinze minutos de fama”. Agora os “quinze minutos de fama” andam muito associados a alguns milhões que se possam arrecadar sem grande esforço.
Mas no final tudo se precipita. Maria vai até ao derradeiro teste, mas Maddalena não consegue ficar cá fora à espera dos resultados. Vai furando até conseguir ver a projecção do teste, na sala das máquinas e aí descobre que o teste é motivo de galhofa geral, quando Maria chora. É aí que ela percebe a indignidade do que está a fazer e recua. A sua Maria não será actriz, mesmo que no final acabe por ser ela a eleita por Blasetti, mesmo que lhe ofereçam milhares de liras pela assinatura do contrato.
Ora bem no argumento de Zavattini, esta protagonista era uma mulher da classe média, da média burguesia, o que certamente permitiria uma crítica forte a esta classe social. Visconti colocou-a no meio do povo, o que pode estender a crítica a esta alienação a todas as classes sociais, e tem ainda a vantagem de permitir a esta mulher a adopção de uma nobre atitude, uma consciencialização do erro, mesmo com necessidades económicas flagrantes.
Outra alteração significativa tem a ver com o desfecho: para Zavattini Maria era recusada. Para Visconti, Blasetti e o mundo do cinema aceita-a, é a mãe de Maria quem recusa a entrega da criança ao sacrifício. O que tem duas leituras curiosas. Por um lado, ressalva-se o cinema, não se atira sobre ele o opróbrio da fábrica de alienações. Apesar de haver muitos aldrabões no meio, o cinema sobrevive. A questão central do filme transita para a mãe: ela é que se deixou alienar pelo sonho do cinema, ela é que tem de formar a filha e controlar-se a ela própria. O cinema, como qualquer actividade humana, encerra uma multiplicidade de perigos. Somos nós que nos temos de defender e mantermo-nos alerta.
Há, aliás, no filme uma sequência particularmente interessante neste sentido. Quando procura entrar na cabine de projecção, Maddalena conversa com uma montadora dos estúdios, Liliana Mancini. Tal como muitos outros personagens no filme também Liliana se interpreta a si própria e conta a sua história verídica. Agora é montadora, mas outrora foi actriz. Um dia o realizador Renato Castellani parou, olhou para ela e convidou-a a protagonizar o seu próximo filme, “Sous le Soleil de Rome” (Sob o Céu de Roma, 1948). "Escolheram-me porque eu tinha o tipo necessário para o filme. Isso subiu-me à cabeça, deixei o emprego e o namorado, mas depois percebi que não era actriz”. O que pode levar mais longe a questão: nem todos nasceram para ser vedetas, mas há muitas formas de se sonhar com o cinema e de o servir.
Já depois de recusar a ida da filha para o cinema, abraçada ao marido, Maddalena sobressalta-se. Muito perto de si, passa um filme. Ela sorri e diz: “É Burt Lancaster! Muito sedutor…” Acrescenta que está a brincar. Não está. Ela vai continuar a gostar de cinema e de Burt Lancaster. Visconti também. Tanto assim que o irá contratar para duas obras-primas suas, “O Leopardo” e “Violência e Paixão”.
“Belíssima” é uma obra belíssima, que se intromete pelos caminhos do cinema, criticando alguns dos seus processos, mas sobretudo alertando o espectador para esses perigos. Toda a estrutura narrativa é muito bem desenvolvida, a fotografia, a música, a montagem, excelentes, mas o brilho assenta todo no corpo de uma actriz sublime: Anna Magnani. Ela é a alma desta obra vulcânica, irrompe como um furacão de início a fim, e leva a imagem da romana a ficar-lhe para sempre indissociavelmente ligada. O seu trabalho é fulgurante. Inesquecível. Um grande filme com uma actriz como há poucas. 

BELÍSSIMA
Título original: Bellissima

Realização: Luchino Visconti (Itália, 1952); Argumento: Suso Cecchi D'Amico, Francesco Rosi e Luchino Visconti, segundo história de Cesare Zavattini; Produção: Salvo D'Angelo; Música: Franco Mannino, segundo Gaetano Donizetti ("L'Elisir d'Amore"); com Orchestra Sinfonica del Teatro dell'Opera, conduzida por Franco Ferrara; Fotografia (P/B): Piero Portalupi, Paul Ronald; Montagem: Mario Serandrei; Design de produção: Gianni Polidori; Guarda-roupa: Piero Tosi; Maquilhagem: Alberto De Rossi; Direcção de produção: Vittorio Glori, Paolo Moffa, Orlando Orsini; Assistentes de realização: Francesco Rosi, Franco Zeffirelli; Departamento de arte: Italo Tomassi; Som: Ovidio Del Grande; Companhia de produção: CEI Incom; Intérpretes:Anna Magnani (Maddalena Cecconi), Walter Chiari (Alberto Annovazzi), Tina Apicella (Maria Cecconi), Gastone Renzelli (Spartaco Cecconi), Tecla Scarano (Tilde Spernanzoni), Lola Braccini (mulher do fotógrafo), Arturo Bragaglia (fotógrafo), Nora Ricci, Vittorina Benvenuti, Linda Sini, Teresa Battaggi, Gisella Monaldi, Amalia Pellegrini, Luciana Ricci, Giuseppina Arena, Liliana Mancini, Alessandro Blasetti, Vittorio Glori, Mario Chiari, Luigi Filippo D'Amico, George Tapparelli, Luciano Caruso, Michele Di Giulio, Mario Donatone, Pietro Fumelli, Lilly Marchi, Anna Nighel, Lina Rossoni, Franco Ferrara, Corrado Mantoni, Sonia Marinelli, Guido Martufi, Vittorio Musy Glori, Scuola di Ballo del Teatro dell'Opera, Orchestra Sinfonica della Radiotelevisione Italiana, Coro della Radiotelevisione Italiana, etc. Duração:115 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Costa do Castelo; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 24 de Maio de 1955.

FEDERICO FELLINI (1920-1993)

$
0
0


FEDERICO FELLINI (1920-1993)

A biografia de Federico Fellini está cheia de incertezas, em parte por causa do próprio cineasta, que por vezes inventava episódios da sua vida. Terá nascido a 20 de Janeiro de 1920, em Rimini (Itália), filho de Ida Barbiano e de Urbano Fellini. Dois irmãos mais novos: Ricardo e Maddalena. Fala-se de um colégio religioso que haveria de marcar toda a sua adolescência e vincar um anticlericalismo que se encontra presente em grande parte da sua obra cinematográfica. Diz-se que frequentou a escola das Irmãs de San Vicenzo, depois a escola primária Teatini. Mais tarde, em 1930, entra para o Gimnasio-Liceo Giulio Cesare, localizado perto do Grande Hotel de Rimini. É seu colega aquele que ficará conhecido por Titta e que ira ser a grande influência de “Amarcord”. Desde muito novo que ama o circo e se interessa pela caricatura. Durante um acampamento das Juventudes Fascistas, em Verrucchio, desenha várias caricaturas de participantes. Em 1937, o dono do Cinema Fulgor, encomenda-lhe uma série de caricaturas de actores americanos. Publica depois desenhos no semanário “La Domenica del Corriere” e no satírico “Nerbini”. Em 1939, chega a Roma, inscreve-se em Direito, mas não é aceite.
Durante a guerra desenhou alguns episódios famosos de histórias em quadradinhos e colabora na rádio em programas humorísticos. Trabalhou também como jornalista. Encontra Giuletta Masina com quem casa a 30 de Outubro de 1943. Entretanto, em 1940, torna-se gagman de Aldo Fabrizzi e de um dos primeiros actores cómicos italianos, célebre na época, Macario (com quem trabalha em filmes dirigidos por Mario Mattoli). Em 1945, aparece como assistente de Roberto Rossellini, em “Roma, Città Aperta”. Nasce um filho que morre precocemente, devido a insuficiência respiratória. Colabora em inúmeros argumentos, é assistente de realização, continuando o seu trabalho como jornalista, humorista, caricaturista.
No ano seguinte, de novo com Rossellini, colabora em “Paisá”, é co-argumentista de “II Crime di Giovanni Episcopo”, de Alberto Lattuada. Em 1947, volta a trabalhar com Lattuada: “Sensa Pietá”. Rossellini chama-o, em 1948, para “Amore”. É assistente de Lattuada, em “II Miulino del Pó” e de Rossellini em “Francesco Giullare di Dio”. Em 1950, aparece como assistente de Pietro Germi, em “II Camino della Speranza” e, com Lattuada, co-dirige o seu primeiro filme: “Luci del Varietà”. Um ano depois, colabora em “Europa 51”, de Rossellini e em 1952 assiste novamente a Germi, em “II Brigante di Tasca del Lupo”. “O Sheik Branco”, em 1951, é o seu primeiro filme como realizador, a solo. Inicia a sua colaboração com Nino Rota. Recebe o Leão de Prata com “Os Inúteis”, em Veneza, e repete o sucesso com “A Estrada”, com que recebe o seu primeiro Oscar. “As Noites de Cabíria” arrecada segundo Oscar, e “Fellini 8 ½” o terceiro. Entretanto, “A Doce Vida” é um sucesso brilhante, recebendo a Palma de Ouro de Cannes.
Em 1961, conhece o psicanalista Ernest Bernhard e apaixona-se pelas teorias de Jung, que o influenciarão nos seus filmes futuros. Em 1967, ultrapassa um enfarte, depois de algum tempo hospitalizado. “Amarcord”, em 1972, traz-lhe um novo Oscar, de Melhor Filme em Língua não Inglesa. Entretanto, o seu cinema oscila entre a superprodução e o filme de pequeno orçamento, entre “Satiricon”, “Roma”, “Casanova”, “A Cidade das Mulheres” e “Os Palhaços”, “O Navio”, “Ensaio de Orquestra” ou “A Voz da Lua”, seu derradeiro filme. Em 1979 morre Nino Rota, o que Fellini sente profundamente. Caricatura a televisão de Berlusconi em “Ginger e Fred” e sofre novo ataque cardíaco em 1985.
1993: recebe um Oscar honorífico por toda a carreira. Em Agosto, sofre, em Rimini, uma embolia cerebral. O ataque repete-se em Roma, tempos depois. Morre a 31 de Outubro. A câmara ardente é instalada num dos estúdios da Cinecittá. No ano seguinte, a 23 de Março, morre Giulietta Masina.
Com Visconti, Rossellini, Lattuada, De Sica, Germi e alguns mais, é um dos impulsionadores da primeira época do neo-realismo, que nos anos de 40 e inícios dos 50, no pós-guerra, devolveria ao cinema italiano uma dignidade estética e, sobretudo, ética que restauraria o prestígio perdido e influenciaria toda a cinematografia moderna. A partir de início dos anos 60, torna-se num dos mestres do cinema mundial, com uma filmografia não muito extensa, mas de uma coerência e significado indesmentíveis.


Filmografia
Como gagman de Macario e Mario Mattoli
1938: Lo Vedi come soi., Lo Vedi come sei?!, de Mario Mattoli
1940: Non me Lo direi!, de Mario Mattoli
1940: Il pirata Sono io!, de Mario Mattoli

Como argumentista (quase sempre co-argumentista)
1939: Imputato, Alzatevi!, de Mario Mattoli
1941: Documento Z3, de Alfredo Guarini (não creditado no genérico)
1942: Avanti c'è Posto, de Mario Bonnard (não creditado no genérico)
1942: I Cavalieri del Deserto, de Gino Talamo, Osvaldo Valenti
1942: Quarta Pagina (O Mistério da Quarta Página), de Nicola Manzari
1943: Apparizione, de Jean de Limur (não creditado no genérico)
1943: Campo de’ Fiori, de Mario Bonnard
1943: Tutta la Cittá Canta, de Riccardo Freda
1943: L'Ultima Carrozzella, de Mario Mattoli
1945: Roma, Città Aperta (Roma Cidade Aberta), de Roberto Rosselini (neste filme é também assistente de realização)
1945: Chi l'ha visto?, de Goffredo Alessandrini
1946: Paisá (Libertação) de Roberto Rossellini (neste filme é também assistente de realização)
1947: Il Delitto di Giovanni Episcopo (A Historia do Meu Crime) de Alberto Lattuada
1947: Il Passatore, de Duilio Coletti
1947: Fumeria d'Oppio, de Raffaello Matarazzo
1947: L' Ebreo Errante, de Goffredo Alessandrini
1948: L'Amore (O Amor), de Roberto Rossellini, episódio “Il Miracolo” (neste filme é também assistente de realização e actor)
1948: Il Mulino del Pó (O Moinho do Rio Pó), de Alberto Lattuada
1948: Senza Pietà (Sem Piedade), de Alberto Lattuada
1948: La Cittá Dolente, de Mario Bonnard
1949: In Nome della Legge (Em Nome da Lei), de Pietro Gerrni
1950: Il Cammino della Speranza (O Caminho da Esperança), de Pietro Germi
1950: Francesco, Giullare di Dio (O Santo dos Pobrezinhos), de Roberto Rossellini
1950: Luci del Varietà, de Federico Fellini e Alberto Lattuada
1951: La Città si Difende (A Cidade Defende-se), de Pietro Germi
1951: Cameriera bella Presenza Offresi..., de Giorgio Pàstina
1952: Il Brigante di Tacca del Lupo (O Bandido da Cova do Lobo), de Pietro Germi
1952: Europa '51 (Europa 51), de Roberto Rossellini
1952: Lo Sceicco Bianco (O Sheik Branco), de Federico Fellini
1953: I Vitelloni (Os Inúteis), de Federico Fellini
1953: L'Amore in Città (Retalhos da Vida), episódio “Agenzia matrimoniale”
1954: La Strada (A Estrada), de Federico Fellini (1954)
1955: Il Bidone (O Conto do Vigário), de Federico Fellini (1955)
1957: Le Notti di Cabiria (As Noites de Cabíria), de Federico Fellini (1957)
1958: Fortunella, de Eduardo De Filippo (1958)
1960: La Dolce Vita (A Doce Vida), de Federico Fellini
1962: Boccaccio '70 (1962) - episódio “Le Tentazioni del dottor Antonio”
1963: 8½ (Fellini 8 ½), de Federico Fellini
1965: Giulietta degli spiriti (Julieta dos Espíritos), de Federico Fellini
1968: Tre Passi nel Delirio (Histórias Extraordinárias) - episódio Toby Dammit
1969: Sweet Charity (Sweet Charity - A Rapariga que Queria Ser Amada), de Bob Fosse
1969: Fellini Satyricon (Fellini – Satyricon), de Federico Fellini
1969: Block-notes di un regista (Diário de um Realizador), de Federico Fellini - documentário televisivo
1970: I Clowns (Os Palhaços), de Federico Fellini
1972: Roma (Roma de Fellini), de Federico Fellini
1973: Amarcord (Amarcord), de Federico Fellini
1976: Il Casanova di Federico Fellini (O Casanova de Federico Fellini), de Federico Fellini
1979: Prova d'Orchestra (Ensaio de Orquestra), de Federico Fellini
1980: La Città delle Donne (A Cidade das Mulheres), de Federico Fellini
1983: E la Nave va (O Navio), de Federico Fellini
1985: Ginger e Fred (Ginger e Fred), de Federico Fellini
1987: Intervista (Entrevista), de Federico Fellini
1990: La Voce della Luna (A Voz da Lua), de Federico Fellini

Como realizador
1950: Luci del Varietà (co-realização com Alberto Lattuada)
1952: Lo Sceicco Bianco (O Sheik Branco)
1953: I Vitelloni (Os Inúteis)
1953: L'Amore in Città (Retalhos da Vida)
Episódio “Un ‘Agenzia Matrimoniale” (outros realizadores: Michelangelo Antonioni, Dino Risi, Francesco Masselli, Cesare Zavattini, Carlo Lizani e Alberto Lattuada)
1954: La Strada (A Estrada) 
1955: Il Bidone (O Conto do Vigário) 
1957: Le Notti di Cabiria (As Noites de Cabíria)
1960: La Dolce Vita (A Doce Vida)
1962: Boccaccio '70 (Boccaccio '70)
Episódio “Le Tentazioni del Dottor Antonio” (outros realizadores: Luchino Visconti e Vittorio De Sica)
1963: 8½ (Fellini 8 ½) 
1965: Giulietta degli Spiriti (Julieta dos Espíritos)
1968: Tre Passi nel Delirio ou Histoires Extraordinaires (Histórias Extraordinárias)
Episódio “Toby Dammit” (outros realizadores: Louis Malle e Roger Vadim)
1969: Satyricon (Fellini – Satyricon)
1969: Block-notes di un Regista (Diário de um Realizador) (TV)
1971: I Clowns (Os Palhaços)
1972: Roma (Roma de Fellini)
1973: Amarcord (Amarcord)
1976: Il Casanova di Federico Fellini (O Casanova de Federico Fellini)
1978: Prova d'Orchestra (Ensaio de Orquestra)
1980: La Città delle Donne (A Cidade das Mulheres)
1983: E la Nave Va (O Navio)
1986: Ginger e Fred (Ginger e Fred)
1987: Intervista (Entrevista)
1990: La Voce della Luna (A Voz da Lua)

Como actor
1948: L'Amore (O Amor), de Roberto Rossellini
1972: Roma (Roma de Fellini), de Federico Fellini
1974: C'Eravamo Tanto Amati (Tão Amigos que nós eramos), de Ettore Scola
1983: Il Tassinaro, de Alberto Sordi
1987: Intervista (Entrevista), de Federico Fellini
2002: Fellini, Sono un Gran Bugiardo, de Damian Pettigrew


O CINEMA SEGUNDO FEDERICO FELLINI
Nunca exerço juízos morais porque não me sinto capacitado para tanto. Não sou censor, nem padre, nem político. Não gosto de me analisar, não sou orador, nem filósofo, nem teórico. Sou apenas um contador de histórias, e o cinema é o meu ofício. (1971)

Não há nada mais triste do que o riso; nada é mais belo, magnífico, estimulante e enriquecedor do que o terror do desespero total. Acho que, enquanto vivem, todos os homens são prisioneiros deste medo terrível, no qual toda a prosperidade está votada ao fracasso, mas que preservam, mesmo no abismo mais fundo, essa liberdade esperançosa que lhes permite sorrir em situações aparentemente desesperadas. É por isso que o objectivo dos verdadeiros autores de comédia - quer dizer, dos mais profundos e honestos - não é de modo nenhum a simples diversão, mas rasgar feridas dolorosas com a crueldade de as tomar mais sentidas. (1971)

Na minha opinião, “A Estrada” procura realizar a experiência que um filósofo, Emmanuel Mounier, muito bem definiu como a mais importante e básica para abrir qualquer perspectiva social: a experiência comunitária entre dois seres humanos. Quer dizer, para aprender a riqueza e a possibilidade da vida social, hoje que se fala tanto de socialismo, é, antes de mais, importante aprender a estar, muito simplesmente, com outro homem: penso que isto é o que todas as sociedades devem aprender e que, se não se consegue superar este ponto de partida tão humilde mas necessário, talvez amanhã venhamos a estar perante uma sociedade exteriormente bem organizada e publicamente perfeita e sem mácula, na qual, porém, as relações privadas, as relações entre homem e homem, ou entre as pessoas, se mostrarão reduzidas ao vazio, à indiferença, ao isolamento, à impenetrabilidade. (1955)

“Cinéma-verité”? Prefiro “cinema-mentira”. Uma mentira é sempre mais interessante do que a verdade. A mentira é a alma da arte do espectáculo, e eu adoro espectáculo. A ficção pode sempre ter uma verdade maior do que a realidade óbvia de todos os dias. Não é preciso que as coisas que se mostram sejam autênticas. Em regra, são melhores quando não o são. O que tem de ser autêntico é a emoção que se sente e se quer exprimir. (1971)

O colaborador mais precioso que tive foi Nino Rota. Tinha uma imaginação geométrica, uma visão musical de esferas celestes, pelo que não tinha necessidade de ver as imagens dos meus filmes. Quando lhe perguntava que motivos tinha em mente para comentar esta ou aquela sequência, sentia claramente que as imagens não lhe diziam respeito: o seu era um mundo interior, a que a realidade tinha pouca possibilidade de acesso. Vivia a música com a liberdade e a facilidade de uma criatura viva numa dimensão que lhe é espontaneamente congenial. (1983)

O cinema como negócio é macabro. Grotesco. E uma mistura de jogo de futebol e de bordel. (1965)

Quando decido fazer um filme, o meu estímulo inicial é a assinatura do contrato. (1971)

Geralmente, os desenhos que faço só têm uma razão funcional e estão estritamente ligados ao meu trabalho de realizador. Desde a infância, nunca desenhei as pessoas da forma como as via diante de mim, mas sim da maneira como haviam ficado na minha memória. O desenho desata a minha fantasia. O desenho é o meu primeiro passo para decifrar. Muito mais difícil é encontrar o actor que se ajuste ao desenho... Quando Giulietta (Massina) via que eu desenhava um pequeno círculo num papel, ela sustinha a respiração. Sabia que era o começo. O círculo era o seu rosto.
Sei que vivo num mundo de fantasias. Mas prefiro que seja assim e irrito-me com tudo o que perturba a minha visão. A vida real não me interessa. Gosto de observá-la, mas no fundo apenas para dar rédea solta a minha fantasia. A fantasia tem uma dimensão muito mais real do que aquela que nos parece ser a dimensão física.


OS INÚTEIS

$
0
0

OS INÚTEIS (1953)

“I Vitelloni” inicia-se com uma sequência notável. Encontramo-nos numa pequena cidade da província italiana (não é, mas poderia ser, Rimini, onde nasceu Fellini, mas sim Ostia, perto de Roma), na esplanada de um hotel ou casino, ou estabelecimento semelhante, onde decorre a eleição de miss Sereia. A vacuidade do acontecimento e as reacções que provoca em familiares e amigos das concorrentes dá bem a imagem da futilidade e inutilidade não só do acto, como dos seus comparsas. Entre eles, os cinco amigos que irão protagonizar toda a estrutura romanesca da obra. O episódio serve também para os apresentar em conjunto. Um entre eles isola-se dos outros e caminha solitário pela noite, depois de uma tempestade vigorosa que se abate sobre a festa e a faz encerrar precocemente. Moraldo Rubini (Franco Interlenghi) senta-se num banco perto da estação de caminhos-de-ferro, e vê os seus pensamentos interrompidos pela aparição de um adolescente que vai trabalhar às 3 da madrugada. Enquanto uns deixam passar o tempo na mais completa improdutividade e desocupação, outros trabalham arduamente. Mais à frente, um deles vai até à porta de uma empresa onde trabalha a irmã, durante toda a noite, para lhe pedir dinheiro emprestado, para as suas necessidades. Os que trabalham sustentam os vícios e o dolce far niente dos inúteis – eis a ideia inicial de Fellini, neste retrato amargo-doce da vida de alguns jovens na Itália do pós-guerra, numa cinzenta cidade provinciana onde raramente acontece algo digno de registo. Filhos de famílias remediadas, todos eles vivem à custa dos pais ou de familiares, alguns acalentam sonhos de virem a ser “alguém”, mas pouco fazem para isso, ou por preguiça ou falta de talento.
O filme terá muito de autobiográfico, não tanto no que diz respeito ao próprio Fellini enquanto jovem, mas à vida de muitos com quem se cruzou na sua Rimini natal. É da sua experiência pessoal, do que viu e do que sentiu que se vai abastecer a inspiração do cineasta para esta obra que conserva muito do neo-realismo inicial, mas que lhe acrescenta desde logo não só o seu olhar profundamente pessoal, como um interesse humano por esses destroços que se arrastam ao sabor das marés numa qualquer cidade costeira. Os cinco amigos, interpretados por Franco Interlenghi (Moraldo Rubini), Alberto Sordi (Alberto), Franco Fabrizi (Fausto Moretti), Leopoldo Trieste (Leopoldo Vannucci) e Riccardo Fellini (Riccardo), passeiam sem destino pelas ruas da cidade, executam pequenas piruetas de efeito patético, descem até ao cais e olham a vastidão do mar, como fronteira da sua esperança, como limite das suas ambições. Ali ficarão perdidos, disfarçados em fatos carnavalescos e prolongando a máscara ao longo de todo o ano.
Um deles, Fausto, engravida a namorada, Sandra, irmã de Moraldo, é obrigado a casar, arranja por favor um emprego, tenta seduzir a mulher do patrão, é despedido, é pai, rouba um anjo que procura vender aos religiosos, e de humilhação em humilhação aceita a ruína. Outro, Alberto, leva a vida a brincar e de esgar em esgar efeminado, tropeça na sua própria infantilidade. Leopoldo, frustrado escritor teatral, consome energias em textos medíocres que um velho actor aceita ouvir ler, na esperança de ter uma aventura amorosa no final da noite. De Riccardo, interpretado por um irmão de Fellini, pouco se sabe.
O ambiente é asfixiante, por muito que os traços da comédia aqui e ali assomem. O humor de Felllini não é condescendente, mas é de uma tocante humanidade. Aqueles “vitelloni” são deserdados de um tempo, escombros de uma sociedade à deriva e o único caminho possível é sair da cidade, procurar outros horizontes, arejar. É o que faz Moraldo, sem destino, apenas em fuga de um terreno pantanoso onde sabe que, mais cedo ou mais tarde, se irá afundar irremediavelmente. Quem sabe qual será o seu futuro? Possivelmente poderá não ser muito melhor, mas pelo menos fica a atitude, o esboço de revolta.


Fellini, por exemplo, à semelhança de Moraldo, aos dezanove anos partiu de Rimini para Roma, que o irá acolher e apadrinhar. Quando Moraldo sobe para o comboio e este inicia a sua marcha, surge na estação o adolescente que ali trabalha e dele se despede. Está ali para funcionar como garante da decisão de Moraldo. Mas a partida deste está ainda ligada a um outro aspecto do filme que se afigura muito significativo: o comboio afasta-se e este movimento liga-se a algumas panorâmicas pelos quartos dos amigos que ficam para trás e que dormem nas suas camas, indiferentes a tudo o mais. Eles e aquela pequena cidade continuarão a ser os mesmos, embalados pelo cinzentismo e pela ociosidade. Moraldo, na sua postura de observador algo distanciado, apesar de solidário em muito, parece ser o único do grupo a tomar consciência da situação e do que o futuro lhes poderia reservar.
De resto, o filme mantém as obsessões fellinianas: as festas truculentas (aqui o carnaval e o seu cortejo), o gosto pelo espectáculo e o teatro, o deambular pela cidade e a sedução pela noite, o confronto entre a realidade e a fantasia (de que aqui se alimentam os “vitelloni”, mas também a fantasia que permite a fuga e o sonho derradeiros), o diálogo entre os inocentes mais ou menos explorados e os manipuladores sem escrúpulos.
A estrutura narrativa da obra é moderna no seu tempo, misturando acções diversas, acompanhando histórias individuais e do grupo, antecipando assim alguma da tonalidade dos filmes da “nouvelle vague” (Godard, Truffaut, etc.), do “free cinema” (“Sábado à noite, Domingo de Manhã”, de Karel Reisz, “We Are the Lambert Boys”, de Lindsay Anderson…) ou mesmo de algum cinema norte-americano (George Lucas terá confessado que “Os Inúteis” terão influenciado o seu “American Graffitti”).
Os actores são magníficos, recortando personagens que se impõem facilmente, o que a música de Nino Rota ajuda a cimentar, criando um ambiente de falsa alegria e de profunda depressão. “Os Inúteis” acabará por ser o filme que marca a imposição de Fellini como o grande realizador, o criador sem paralelo na história do cinema, ao triunfar no Festival de Veneza, onde ganhou o Leão de Prata, em 1953. A partir daí, o seu caminho está traçado. Já o estava antes, para quem o soubesse ver, mas o prémio de Veneza chamou a atenção para a sua obra de forma inequívoca.


OS INÚTEIS
Título original: I Vitelloni
Realização: Federico Fellini (Itália, França, 1953); Argumento: Federico Fellini, Ennio Flaiano, Tullio Pinelli; Produção: Jacques Bar, Mario De Vecchi, Lorenzo Pegoraro; Música: Nino Rota; Fotografia (p/b): Carlo Carlini, Otello Martelli, Luciano Trasatti; Montagem: Rolando Benedetti; Design de produção: Mario Chiari; Decoração: Luigi Giacosi; Guarda-roupa: Margherita Marinari; Maquilhagem: Michele Bomarzi; Direcção de produção: Luigi Giacosi; Assistentes de realização: Moraldo Rossi, Max de Vaucorbeil, Stefano Ubezio; Departamento de arte: Italo Tomassi; Companhias de produção: Cité Films, Peg-Films; Intérpretes:Franco Interlenghi (Moraldo Rubini), Alberto Sordi (Alberto), Franco Fabrizi (Fausto Moretti), Leopoldo Trieste (Leopoldo Vannucci), Riccardo Fellini (Riccardo), Leonora Ruffo (Sandra Rubini), Jean Brochard (Francesco Moretti), Claude Farell (Olga), Carlo Romano (Michele Curti), Enrico Viarisio (senhor Rubini), Paola Borboni (senhora Rubini), Lída Baarová (Giulia Curti), Arlette Sauvage, Vira Silenti, Maja Niles, Achille Majeroni, Guido Martufi, Silvio Bagolini, Milvia Chianelli, Enzo Andronico, Alberto Anselmi, Gustavo De Nardo, Graziella De Roc, Giovanna Galli, Franca Gandolfi, Lilia Landi, Gigetta Morano, Lino Toffolo, Gondrano Trucchi, etc. Duração: 102 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Costa do Castelo Filmes; Classificação etária: M/ 12 anos. 

A ESTRADA

$
0
0

A ESTRADA (1954)

Esta estrada de Fellini é uma via-sacra, testemunhando uma vida de sacrifício e de dor, por onde vai brotando, aqui e ali, um sorriso doce e emoções simples e puras. Dir-se-ia um filme de desespero, um dos mais radicais na obra de Fellini, mas onde todavia se insinua sempre uma réstea de esperança final, redentora.
Esta viagem que acompanhamos ao longo de anos (sim “A Estrada” é um “road movie”!) é a de Zampanò (Anthony Quinn), um homem rude e violento, egoísta e brutal. Anda de terra em terra a apresentar o seu “número” de circo, o do extraordinário homem que consegue apenas com os músculos do peito, rebentar os aros da corrente metálica que o envolve. Anda com uma “assistente”: anteriormente fora Rosa, mas morrera e ele começa, no início do filme, por dar a notícia à mãe e aos irmãos, a quem oferece 10.000 liras, e “requisita” uma outra filha, mais nova que Rosa, Gelsomina, uma rapariga ligeiramente atrasada, que fica entusiasmada com a ideia de viajar, de sempre “ser menos uma boca para alimentar”, como a mãe afirma, de cantar e dançar, de andar de feira em feira. Partem numa carroça escalavrada, puxada por uma moto que a tudo parece resistir. Andam pela paupérrima Itália do pós-guerra, feiras miseráveis, bairros degradados, praças desoladas e desconsolados circos. Zampanò não tem dúvidas quanto à forma como “amestrar” Gelsomina, ele que nunca falha “nem com cães”. Assim se faz, não sem um arrufo de rebeldia da parte de Gelsomina. Mas, como sempre em Fellini, um poeta e um sonhador, estas são personagens que perseguem sonhos e quimeras, quer sejam ternas atordoadas ou brutais contorcionistas de aço, ou mesmo loucos, como “Il Matto”, outra figura admirável, um equilibrista que sabe que vai morrer, mas não hesita em provocar o destino, quer seja num fio sobre uma praça, quer seja perante a ferocidade de Zampanò. No fundo, esta Humanidade frágil, por muita força que revele nos músculos, procura o amor e a cumplicidade de um gesto, de um olhar.


Como sempre em Fellini é da errância que se trata, sejam os “vitelloni” na sua cidade natal, sejam os artistas de circo de “Luci del Varietá”, sejam os personagens de “A Dolce Vita” ou de “8 ½”. A vida é uma errância a que cada um procura dar um sentido, buscar uma estrela que o oriente. Por isso no final de “A Estrada” se olha o céu, interrogando o infinito, em desespero perante o desconhecido, ou tocado pela graça de uma qualquer mensagem deixada por Gelsomina. Mas uma certeza existe: algo na sua consciência despertou.
A viagem de ambos ao longo das estradas de Itália é simultaneamente uma iniciação, com as suas vítimas e algozes, ambos irmanados num mesmo percurso. Fellini não perdoa aos últimos, entroniza as primeiras, mas a todos concede a dúvida de uma esperança. Se Gelsomina é escravizada por Zampanò, não deixa de nutrir por ele alguma afeição, amor, quem sabe?, amizade de quem procura entender as razões de tanta falta de razão. Zampanò, ao abandonar a companheira adormecida numa paisagem gelada, deixa-lhe ao lado o trompete a que ela se habituara. 
Com uma ironia por vezes dolorosa, como por exemplo na composição dessa genial Giulietta Masina, a meio caminho da herança de Chaplin e de Harpo Marx, ou na histriónica figura do “Matto”, admiravelmente composta por Richard Basehart, Fellini ergue um conjunto de personagens que não mais se esquecem, depois de com elas nos cruzarmos. O próprio Zampanò, fulgurantemente criado por Anthony Quinn, nos chega a enternecer na sua falta de jeito para a vida, na sua solidão, no deserto das suas emoções, na sua barbárie primitiva. No fundo, “A Estrada” é o retrato de solidões que se cruzam e dificilmente se tocam. Mas, aqui e ali, o milagre parece acontecer. Numa Itália retalhada pelo fascismo e pela guerra, submergida numa miséria que conduz ao egoísmo e à brutalidade, sobrevivendo entre a triste realidade circundante e os sonhos, ingénuos, loucos ou impetuosos de uma fantasia tão cara ao cineasta.


Mais uma vez, o mundo do espectáculo é o cenário privilegiado para a démarche de Fellini, fascinado pelo teatro e o circo, pela vida difícil dos que andam na estrada a oferecerem-se como espectáculo. Aqui são saltimbancos despidos de tudo. Sós na paisagem agreste. Sós perante a noite. Sós perante o oceano, uma das imagens recorrentes na sua obra. Sós perante o mistério da vida.
“A Estrada” é uma obra-prima a que a Academia de Hollywood concedeu o Oscar de Melhor Filme em Língua não Inglesa e é, igualmente, um filme de uma complexidade e riqueza de leituras incomensuráveis. Vendo-o ou revendo-o, vezes sem fim, encontra-se sempre algo de novo, e reencontra-se invariavelmente uma emoção autêntica, um generoso olhar sobre a humanidade, uma respiração de génio cujo fulgor não empalidece. Definindo já uma equipa que o acompanhou ao longo dos anos, Tullio Pinelli e Ennio Flaiano na escrita do argumento, e sobretudo Nino Rota, na criação de uma partitura musical sublime que eternizaria igualmente esta obra. Com “La Strada”, Federico Fellini ascendia ao panteão dos maiores do cinema mundial. Aí ficaria para sempre.



A ESTRADA
Título original: La Strada

Realização: Federico Fellini (Itália, 1954); Argumento: Federico Fellini, Tullio Pinelli, Ennio Flaiano; Produção: Dino De Laurentiis, Carlo Ponti; Música: Nino Rota; Fotografia (p/b): Otello Martelli e ainda Carlo Carlini; Montagem: Leo Cattozzo; Design de produção: Mario Ravasco; Direcção artística: Enrico Cervelli, Brunello Rondi; Guarda-roupa: Margherita Marinari; Maquilhagem: Eligio Trani, Dante Trani; Direcção de produção: Angelo Cittadini, Danilo Fallani, Luigi Giacosi, Giorgio Morra; Som: R. Boggio, Aldo Calpini; Departamento de arte: Tom Jung; Companhias de produção: Ponti-De Laurentiis Cinematografica; Intérpretes: Anthony Quinn (Zampanò), Giulietta Masina (Gelsomina), Richard Basehart (Il Matto, o louco), Aldo Silvani (Signor Giraffa), Marcella Rovere (La Vedova, a viúva), Livia Venturini (La Suorina, a irmã), Gustavo Giorgi, Yami Kamadeva, Mario Passante, Anna Primula, Goffredo Unger, Nazzareno Zamperla, etc. Duração: 108 minutos; Classificação etária: M /12 anos; Distribuição em Portugal (DVD): Costa do Castelo; Data de estreia em Portugal: 22 de Setembro de 1955 

AS NOITES DE CABÍRIA

$
0
0

AS NOITES DE CABÍRIA (1957)

“As Noites de Cabíria” assinala o fecho de um ciclo Giulietta Masina no cinema de Federico Fellini, que se iniciara em 1950, com a participação da actriz no filme de estreia do seu marido (com quem estava casada desde 1943), “Luci delVarietà” (onde interpretava o papel de Melina Amour, dedicada companheira do director da companhia de teatro), e que continuara em “O Sheik Branco” (1952), onde fora Cabíria, uma prostituta, “A Estrada” (1954), interpretando Gelsomina, a companheira de Zampanò, “O Conto do Vigário” (1955), criando a figura de Iris, e, finalmente, de novo como protagonista, “As Noites de Cabíria” (1957). Ela voltaria a trabalhar sob a direcção de Fellini em “Julieta dos Espíritos” (1965, como Giulietta Boldrini) e “Ginger e Fred” (1986, como Amelia Bonetti e Ginger), mas num registo bastante diferente desta primeira fase. Deve dizer-se que a celebridade de Fellini nestes primeiros tempos ficou igualmente muito ligada ao excepcional talento da sua actriz, assim como a inversa é igualmente verdadeira: muito do sucesso das composições de Giulietta Masina se ficou igualmente a dever à forma como Fellini encontrava o papel perfeito para a sua actriz e a dirigia de forma irrepreensível. Foi um casamento harmonioso, que deu frutos admiráveis, como fica provado mais uma vez neste fabuloso retrato de Maria 'Cabiria' Ceccarelli, uma prostituta de Roma, que inicia o filme a ser roubada por um chulo sem escrúpulos, que para se apoderar da sua carteira a lança num rio, e que acaba a obra numa situação algo semelhante.
E se os primeiros filmes de Fellini progrediam ao longo de uma linha ficcional definida, desenrolando uma situação mais ou menos linear, a partir de “Le Notti di Cabiria” a narrativa começa a fragmentar-se em episódios que se sucedem, que ajudam a definir uma personagem, mas não progridem na ficção. Digamos que acrescentam dramaticidade, acentuam aspectos, mas são como que momentos de uma vida captados ao acaso.


Um pouco na linha de Gelsomina, de “A Estrada”, Cabiria é uma mulher simples, doce, ingénua, por vezes revoltada com a vida, mas quase sempre dedicada e crédula. “Faz” a zona degradada de Ostia, nos arredores de Roma, longe das profissionais da Via Veneto, mas sempre acreditando que um dia surgirá um príncipe encantado que a libertará daquela vida. Não se considera uma desgraçada, tem casa onde dormir e um tecto onde se resguardar, apesar da desolação do cenário, e dos sucessivos amargos de boca que conhecidos e desconhecidos lhe provocam. Uma noite, cai nas graças de um conhecido actor de cinema, Alberto Lazzari (um magnífico Amedeo Nazzari), que a leva para casa e a faz desejar a realização dos mais assolapados sonhos, mas rapidamente cai na real, sem contudo perder o optimismo e a esperança. O milagre será sempre possível, crê. Ainda que olhe com alguma distanciação toda a parafernália em redor da ermida do “Divino Amor”, assim como protesta contra o mágico que a hipnotiza e lhe prediz o futuro. Mas está novamente pronta a ir atrás do discreto e sedutor Oscar D'Onofrio (François Périer), que lhe promete casamento e amor eterno. De desilusão em desilusão, Cabíria consegue, todavia, manter um sorriso no olhar e, em seu redor, a música e a dança dos jovens que a acompanham parecem dar-lhe razão.
Como sempre em Fellini, dos puros e ingénuos é o reino de Deus. A sociedade não é perfeita, longe disso, há maldade e crueldade um pouco por todo o lado, há pessoas sombrias e situações dilacerantes, mas a bondade e a beleza interior parecem atravessar incólumes os entraves. Foi Gilbert Salachas, num volume dedicado a Fellini (Ed.Seghers, colecção “Cinema d’Aujourd’hui”) quem afirmou com justeza: “Encontramos constantemente uma dupla procura em Fellini. De um lado, a agressividade que vem da lucidez, doutra parte a simpatia. Se se preferir, o cineasta condena globalmente os costumes, mas “salva” individualmente as personagens, quer sejam vítimas, os seus representantes ou os seus artesãos”. Na verdade, há sempre um toque de simpatia, de compreensão, quer se olhe para Cabíria, vítima das circunstâncias, quer se olhe para os que com ela se cruzam, os que a hostilizam, os que a ofendem ou magoam. O primeiro assaltante, que a empurra para o rio, é uma silhueta de que nada se sabe, mas Oscar D'Onofrio, o delicado aspirante à mão de Cabíria, acaba por levar avante apenas parte dos seus intuitos, afastando-se do irremediável por uma crise de consciência que o “salva” a si e a Cabíria. Também o comportamento de Alberto Lazzari acaba por ser de alguma forma compreensível. Ele “utiliza” Cabíria como vingança, mas acaba por regressar ao seu amor (?) e tenta aligeirar o peso na consciência com umas notas. Afinal ela é ou não uma prostituta? Mas o dinheiro nem tudo resolve.


A Itália já se está a transformar neste ano de 1957. O “milagre económico” do pós-guerra começa a dar os seus frutos. Não nas zonas pobres dos arredores, mas nos bairros finos do centro de Roma, de que é exemplo a casa de Alberto Lazzari. Fellini prepara já a crítica a esta sociedade de consumo imediato de prazeres e de luxo, virada para o lucro e a ausência de escrúpulos de que irá falar em “A Doce Vida” e “8 ½”.
Oscilando entre a crítica social e um certo humor, o argumento de Fellini, co-assinado, como costume, pelos seus colaboradores regulares Ennio Flaiano e Tullio Pinelli, desenrola-se de forma moderna, solto de amarras, prenunciando já uma outra abordagem do realismo, aqui poético em jeito de crónica do quotidiano. A partitura musical de Nino Rota insinua-se como sempre com a precisão dramática indispensável, e a fotografia de Aldo Tonti é igualmente notável. A interpretação é toda ela brilhante, mas Giulietta Masina é sublime. Em Cannes e San Sebastian foi premiada como Melhor Actriz. O filme foi Palma de Ouro em Cannes e Oscar de Melhor Filme em língua não inglesa. Nos BAFTAs, da Academia Britânica, a obra conquistou o prémio de Melhor Filme Estrangeiro e Giulietta Masina o de Melhor Actriz. “Le Notti di Cabiria” foi ainda “David di Donatello”, da Academia de Cinema Italiano, para Melhor Realização e Melhor Produção. Entre várias outras recompensas.

AS NOITES DE CABÍRIA
Título original: Le Notti di Cabiria

Realização: Federico Fellini (Itália, França, 1957); Argumento: Federico Fellini, Ennio Flaiano, Tullio Pinelli, segundo romance de Maria Molinari; diálogos de Pier Paolo Pasolini; Produção: Dino De Laurentiis; Música: Nino Rota; Fotografia (p/b): Aldo Tonti, Otello Martelli; Montagem: Leo Cattozzo; Design de produção: Piero Gherardi; Guarda-roupa: Piero Gherardi; Maquilhagem: Dante Trani, Eligio Trani; Direcção de produção: Luigi De Laurentiis, Emimmo Salvi; Assistentes de realização: Dominique Delouche, Moraldo Rossi; Departamento de arte: Brunello Rondi; Som: Oscar Di Santo, Roy Mangano; Companhias de produção: Dino de Laurentiis Cinematografica, Les Films Marceau; Intérpretes:Giulietta Masina (Maria 'Cabiria' Ceccarelli), François Périer (Oscar D'Onofrio), Franca Marzi (Wanda), Dorian Gray (Jessy), Aldo Silvani (mágico), Ennio Girolami (Amleto), Mario Passante (tio de Amleto), Christian Tassou, Amedeo Nazzari (Alberto Lazzari), Gianni Baghino, Franco Balducci, Ciccio Barbi, Luciano Bonanni, Jusy Boncinelli, Loretta Capitoli, Leo Cattozzo, Dominique Delouche, Edda Evangelista, Franco Fabrizi, Riccardo Fellini, Ines Ferrari, Giovanna Gattinoni, Amedeo Girardi, Pina Gualandri, Elio Mauro, Nino Milano, Jean Mollier, Sandro Moretti, Sergio Parlato, Mimmo Poli, Polidor, María Luisa Rolando, Vittorio Tosti, etc. Duração:110 minutos; Classificação etária: M/ 12 anos; Distribuição em Portugal (DVD): inexistente; Data de estreia em Portugal: 27 de Novembro de 1957.

RETALHOS DA VIDA

$
0
0

RETALHOS DA VIDA (1953)
Zavattini

“Retalhos da Vida” (L'Amore in Città) é uma obra invulgar que surgiu no interior do movimento neo-realista italiano, concebida por um dos chefes de fila desta corrente estética e ideológica, o argumentista e realizador Cesare Zavattini (apoiado na iniciativa pelo jovem Marco Ferreri), com a intenção de funcionar como obra manifesto desta corrente. O filme apresenta-se como o número um de uma revista semestral cinematográfica, "Lo Spettatore", que reúne no seu seio um grupo de seis trabalhos “jornalísticos” sobre o amor numa grande cidade. Cada um desses trabalhos era assinado por um nome grande da renascença do cinema italiano do pós-guerra, a saber: “L’Amore che si Paga” (Carlo Lizzani), “Paradiso per Quattro Ore” (Dino Risi), “Tentato Suicidio” (Michelangelo Antonioni), “Agenzia Matrimoniale” (Federico Fellini), “Storia di Caterina” (Francesco Maselli e Cesare Zavattini), e “Gli Italiani si Voltano” (Alberto Lattuada). A ideia era obviamente permitir um retrato da sociedade italiana desse período histórico, particularmente dos residentes na cidade de Roma, da vida sofredora da maioria dos seus habitantes, dos pequenos e grandes dramas, das alegrias e das esperanças de um povo ainda muito traumatizado pela ditadura fascista de Mussolini e a subsequente tragédia da II Guerra Mundial. Há episódios de um dramatismo pungente, outros aparentemente mais ligeiros, uns nostálgicos, outros irónicos, uns trabalhados em estilo de quase pura ficção, a maioria esboçada em tom de inquérito ou reportagem. Há muita ingenuidade na forma como se procura atingir uma realidade imaculada, não encenada, quando afinal tudo é encenado e por vezes de forma que inquina totalmente os resultados da proposta. Por exemplo, o episódio assinado por Alberto Lattuada, “Gli Italiani si Voltano”, coloca um operador, de câmara na mão, nas ruas de Roma, acompanhando as mulheres que passam pelos passeios. Assim se procura demonstrar que os “italianos se voltam” sempre que vêem passar uma mulher bonita e voluptuosa. Mas as reacções dos italianos que se voltam, muitas vezes voltam-se mais para ver a câmara de filmar, e quem ela acompanha, do que propriamente para olhar as espaventosas italianas. Acontece que, mesmo que a câmara de filmar estivesse escondida (há quem afirme que este episódio foi um dos antepassados da “Candid Camera”), pelo menos ela não estava suficientemente oculta, pois há inúmeros transeuntes que se voltam manifestamente para ela, e só depois para a mulher que é filmada. O que retira qualquer significado sociológico ao registo, apesar de não lhe retirar um sabor muito latino. 


Apesar do título ser “L'Amore in Città” (O Amor na Cidade, tradução literal), fala-se muito pouco de amor, sequer de paixão, raras vezes se afloram sentimentos, mas sim o olhar do desejo, a confirmação do interesse sexual, ou as consequências trágicas da solidão, do desespero, do desengano.
Não querendo exaustivamente enunciar as características do neo-realismo, é conveniente sublinhar algumas delas, para situar esta obra. O neo-realismo nasce de considerandos e de situações diversas que se reúnem: o cinema italiano foi, durante a época fascista, ou um cinema de propaganda do sistema, ou um cinema de fuga à realidade. Os cineastas que estavam com o fascismo, elogiavam-no, os que não estavam ou frontalmente se lhe opunham tentavam trabalhar na sua arte nos limites das possibilidades sem se comprometerem, criando um cinema “caligrafista”, de sofisticadas comédias de “telefones brancos”, ou então adaptando obras literárias do século XIX, que tinham muito pouco a ver com a realidade italiana dos anos 30 e 40, até final da guerra. Quando se aproxima o fim da guerra e a possibilidade de falar de temas proibidos até aí, o fascismo, a guerra, a resistência, o drama diário do povo italiano, este foi o caminho. Mas a esta orientação ideológica (muito condicionada pelos comunistas que tinham saídos vitoriosos da coordenação da Resistência), outra se lhe juntou igualmente muito motivadora da escolha do caminho. Após a derrota, a Itália estava completamente destruída, a indústria cinematográfica não existia, não havia estúdios, não havia material técnico, não havia actores e realizadores (alguns dos que havia ou estavam comprometidos com o fascismo, ou envelhecidos, ou em fuga…), não havia capital para obras sumptuosas. Da reunião destes dois factores, nasceu um cinema ideologicamente não muito coerente, apesar da forte orientação marxista, mas que se podia caracterizar por aspectos muito significativos para definir um movimento ou uma corrente: filmagens fora dos estúdios, em exteriores ou interiores naturais, pouco material técnico, uso quase exclusivo de película a preto e branco, quase total ausência de actores profissionais, lançamento de uma nova geração de cineastas, saídos da resistência intelectual e cultural ao fascismo, temas da vida do dia-a-dia, assunção de uma voz nova nos ecrãs, o povo autêntico, sem caracterização ou guarda-roupa especial. Esta foi a revolução imposta um tanto pelas disponibilidades técnicas da época e do local, outro tanto pela intencionalidade política, social, cultural e sobretudo cinematográfica.


Em 1945 surge “Roma, Cidade Aberta”, de Roberto Rossellini, que inicia formalmente o movimento. Mas antes já tinham aparecido alguns antecedentes, como “Bambini ci Guardano”, de Vittorio De Sica, “Ossessione”, de Luchino Visconti, ou “Quattro Passi fra la Nuvole”, de Alessandro Blasseti, todos de 1943. “L’Amore in Citta”, de 1953, aparece num momento em que o movimento se começa já a esboroar. Procura como que reunir forças e esforços e redefinir com mais precisão as linhas estéticas e ideológicas da corrente. Mas não tem sucesso público (ainda que permaneça até hoje como um farol do neo-realismo) nem consegue sequer iniciar uma publicação regular. "Lo Spettatore" fica-se pelo número um. Representa, no entanto, uma ocasião única na história do cinema italiano: olhando agora com o recuo do tempo para esta obra, facilmente nos apercebemos que tenta reunir talento para um projecto comum, numa altura em que cada um dos cineastas antologiados enceta já um caminho muito pessoal que não os levará a atraiçoar o neo-realismo, mas acima de tudo a serem sinceros consigo próprios e a seguirem percursos muito pessoais. É o que irá acontecer sobretudo com Antonioni, Fellini, Risi, Lattuada ou Masselli, enquanto Zavattini e Lizzani ficaram enredados nas teias de uma época e não conseguiram ultrapassar a rígida ortodoxia vigente. Curiosamente, muitos acusaram Risi de se deixar comercializar e de transformar o neo-realismo em algo “rosa”. Hoje ele é um dos cineastas mais modernos e mais actuais dessa geração. Soube respirar a atmosfera do seu tempo, compreender o ar que se respirava e estabelecer com o público um diálogo que se mantém hoje actual.
Olhando o filme, história a história, “Amore che paga”, de Carlo Lizzani (11') é um inquérito sobre a prostituição na capital italiana, que a censura proibiu na altura; “Tentato suicídio”, de Michelangelo Antonioni (22') investigava igualmente casos de mulheres que haviam tentado o suicídio, indagando razões e motivações, em cenários desolados que prenunciavam já os ambiente de “A Noite”, “Eclipse” ou “O Deserto Vermelho”; “Agenzia Matrimoniale”, de Federico Fellini (16') mergulhava numa viagem por um antigo palacete romano arruinado, hoje com cada quarto ocupado por famílias pobres, escritórios, e uma agência matrimonial, onde os “patrões” “colocam” mulheres em desesperadas procuras de necessidade económica e solidão. Uma delas, que aceita casar com quem quer que seja, desde que arrume a sua vida, é acompanhada pelo jornalista de serviço numa dolorosa e poética viagem de profunda desolação, relembrando já o universo de “A Estrada”; “Storia di Caterina” (27'), de Francesco Maselli e Cesare Zavattini, baseia-se num caso verídico e é interpretada pela mulher que viveu a história na realidade e que aqui revive os passos: grávida e abandonada pelo homem que dela se serviu e pela família, tenta a sua sorte como criada em Roma. Sem forma de se sustentar, a si e ao filho, dormindo ao relento e quase nada tendo para comer, resolve abandonar o filho num descampado, onde é recolhido e entregue num asilo dirigido por freiras. Não consegue resistir às saudades e tenta recuperar o filho, o que a leva à prisão e a julgamento, donde sai absolvida; de “Gli Italiani si Voltano” (14'), de Alberto Lattuada, já falámos, ficando para fim o “Paradiso per Tre Ore”, de Dino Risi (11') que sobrevive sem história, descrevendo o ambiente de um baile de bairro periférico de Roma, frequentado ao domingo, durante “as três horas de paraíso”, por criadas de servir e soldados, “arrebentas” e “pintas” à procura de conquistas fáceis, secretárias “postas por conta” e outros protagonistas desta “crónica de pobres amantes”. A câmara de Risi acompanha com humor e ternura o que vai captando, atenta ao pormenor, ao gesto, ao olhar, criando um tecido de intensa cumplicidade e sensualidade. Os actores não profissionais são excelentemente conduzidos (ou apenas seguidos, mas com tacto e eficácia) e alguns deles prenunciavam alguns dos heróis preferidos de Risi, de Gassman a Sordi, em pólos opostos deste universo de arrivistas e temeratos. Juntamente com Fellini, os melhores “Retalhos”, onde Antonioni e Zavattini se colocam ainda a bom nível. Lattuada fará muito melhor ao longo da sua futura carreira. Boa a fotografia daquele que se haveria de transformar num dos mestres da arte em Itália, Gianni Di Venanzo.



RETALHOS DA VIDA
Título original: L’ Amore in città

Realização: Michelangelo Antonioni (segmento "Tentato suicido"), Federico Fellini (segmento "Un Agenzia matrimoniale'"), Alberto Lattuada (segmento "Gli Italiani si voltano"), Carlo Lizzani (segmento "L’ Amore che si paga'"), Francesco Maselli (segmento "Storia di Caterina"), Dino Risi (segmento "Paradiso per 4 ore"), Cesare Zavattini (segmento "Storia di Caterina") (Itália, 1953); Argumento: Michelangelo Antonioni / segmento "Tentato suicidio"; Aldo Buzzi / segmentos "Tentato suicidio", "Gli Italiani si voltano", "Amore che si paga, L'" e "Paradiso per 4 ore"; Luigi Chiarini / segmentos "Tentato suicidio", "Gli Italiani si voltano" e "L’ Amore che si paga”, Federico Fellini / segmento "Un Agenzia matrimoniale”, Marco Ferreri / segmento "Paradiso per 4 ore", Alberto Lattuada / segmento "Gli Italiani si voltano", Luigi Malerba / segmentos "Tentato suicidio", "Gli Italiani si voltano", "L’ Amore che si paga" e "Paradiso per 4 ore", Tullio Pinelli / segmentos "Tentato suicidio", "Un Agenzia matrimoniale'", "Gli Italiani si voltano", "L’ Amore che si paga" e "Paradiso per 4 ore", Dino Risi / segmentos "L’ Amore che si paga",e "Paradiso per 4 ore", Vittorio Veltroni / segmentos "Tentato suicidio", "Gli Italiani si voltano", "L’ Amore che si paga'" e "Paradiso per 4 ore", Cesare Zavattini / segmentos "Tentato suicidio", "Gli Italiani si voltano", "Storia di Caterina", "L’ Amore che si paga” e "Paradiso per 4 ore"; Produção: Marco Ferreri, Riccardo Ghione, Cesare Zavattini; Música: Mario Nascimbene; Fotografia (p/b): Gianni Di Venanzo; Montagem: Eraldo Da Roma; Design de produção: Gianni Polidori; Maquilhagem:Raimondo Van Riel; Direcção de produção: Giuseppe Lo Prete, Alfredo Mirabile; Assistentes de Realização: Aldo Buzzi Francesco Degli Espinosa, Otto Pellegrini, Pier Paolo Piccinato, Gillo Pontecorvo, Luigi Vanzi; Departamento de arte: Enrico Magretti; Som: Mario Messina, Giovanni Paris; Companhias de produção: Faro Film; Intérpretes:Rita Josa, Rosanna Carta, Enrico Pelliccia, Donatella Marrosu, Paolo Pacetti, Nella Bertuccioni, Lilia Nardi, Lena Rossi, Maria Nobili, Antonio Cifariello Giornalista, Livia Venturini, Maresa Gallo, Angela Pierro, Rita Andreana, Lia Natali, Cristina Grado, Ilario Malaschini, Sue Ellen Blake, Silvio Lillo (segmento "Un Agenzia matrimoniale'"), Caterina Rigoglioso (segmento "Storia di Caterina"), Mara Berni, Valeria Moriconi, Giovanna Ralli, Ugo Tognazzi, Patrizia Lari, Raimondo Vianello, Edda Evangelista, Liana Poggiali, Marisa Valenti, Maria Pia Trepaoli, Marco Ferreri, Mario Bonotti (segmento "Gli Italiani si voltano"), Luisella Boni, etc. Duração: 105 minutos; Classificação etária: M/ 12 anos; Distribuição em Portugal (DVD): inexistente; Edição DVD: Studio Canal (italiano com legendas em inglês).

PIETRO GERMI (1914 – 1974)

$
0
0

PIETRO GERMI (1914 – 1974)

É vulgar achar-se e aceitar-se como justa a ideia de que o neorrealismo criou cinco grandes cineastas à escala planetária: De Sica, Rossellini, Fellini, Visconti e Antonioni. É usual acrescentar a esta lista uma outra com realizadores com obra muito interessante, que se coloca numa segunda linha dessa geração inicial lançada pelo neorrealismo. Estão neste caso, entre outros, nomes como Alberto Lattuada, Dino Risi, Pietro Germi, Giuseppe De Santis, Cesare Zavattini, Renato Castellani, Carlo Lizzani ou Mario Monicelli. Creio que uns se encontram bem enquadrados nesta classificação, enquanto que outros merecem muito mais do que esse segundo plano honroso. Merecem uma reavaliação global da sua obra, longe de alguns preconceitos que os tolheram numa primeira análise, muito sobrecarregada por motivações políticas ou de género (como, por exemplo, ter-se como subalterna uma apreciação da comédia, em relação aos filmes ditos “sérios” – que às vezes dão mais vontade de rir do que as próprias comédias, e pelas piores razões). Dino Risi e Pietro Germi são dois nomes que merecem muito mais do que serem considerados “bons realizadores” ou “autores com obras interessantes”. Ambos me parecem autores na verdadeira acepção da palavra, e ambos se me afiguram grandes cineastas, com uma obra coerente, consistente e de indiscutível qualidade e importância. 
Pietro Germi nasceu em Genova a 14 de Setembro de 1914, e viria a falecer muito novo, com 60 anos, em Roma, a 5 de Dezembro de 1974, tendo-se notabilizado como realizador, argumentista, produtor e actor. Em todas estas actividades se distinguiu, como realizador ganhou diversos prestigiantes prémios internacionais (Cannes, várias vezes, Veneza, Berlim, Moscovo, Mar del Plata, San Sebastian), tendo sido nomeado para muitos mais, e como argumentista chegou mesmo ao Oscar e ao Globo de Ouro, no primeiro caso com “Divorzio all'Italiana” (1961), no mesmo ano em que foi nomeado como Melhor Realizador e, no segundo caso, por três vezes, com “Un Maledetto Imbróglio” (1959), “Divorzio all'Italiana” (1961) e “Signore & signori” (1966).
O seu cinema começou por estar profundamente empenhado em causas sociais, mesmo quando as tratava em tom de comédia, como foi o caso de “La Presidentessa”. Mas foram normalmente temas sociais graves, abordados de forma vigorosa que estão na base de alguns dos grandes filmes deste cineasta pertencentes a uma primeira fase do movimento neorrealista. Falamos de “A Testemunha” (1946), sua primeira longa-metragem, passando por “Gioventù Perduta”, “Em Nome da Lei”, “O Caminho da Esperança”, “A Cidade Defende-se”, “O Bandido da Cova do Lobo”, “O Ferroviário”, “O Homem de Palha” ou “A 3 ª Chave” (este último de 1959). Depois, o seu cinema, mantendo o tom de critica social que nunca abandonou, aproxima-se da comédia com “Divórcio à Italiana” (1961), “Seduzida e Abandonada”, “Senhoras e Cavalheiros”, “O Imoral”, “Serafino”, até “Alfredo, Alfredo” (1972), seu derradeiro trabalho neste campo. Pietro Germi teve o condão de ser um autor que tomou posição sobre problemas do mundo do trabalho, da justiça, da emigração, dos universos industrial e rural, mantendo quase sempre um bom contacto com o grande público. Os seus filmes denotam uma sensibilidade natural para, sem pactuar com a vulgaridade e o fácil, chegarem ao espectador através da razão e da emoção.
Filho de Giovanni Germi, porteiro, e de Armellina Castiglioni, dona de casa, Pietro Germi perde o pai muito cedo, e fica com a mãe e três irmãs, Carolina, Gilda e Enrichetta, enquanto frequenta o Instituto Nautico  San Giorgio, cujo curso acaba por não terminar. Muda-se para Roma e aí inscreve-se no Centro Sperimentale di Cinematografia. Itália vive já sob o jugo do fascismo mussoliniano, e esse centro reúne um conjunto de jovens que mais trde serão a base do neorrealismo. Em 1941 casa com Genova Anna Bancio e seis anos depois nasce em Génova a filha Marialinda. Divorciado, volta a casar com Olga D'Ajello, de quem terá mais três filhos, Francesco, Francesca e Armellina. Morre em Roma, a 5 de Dezembro de 1974, repousando os restos mortais no cemitério Castel di Guido, perto de Roma.
A sua carreira no cinema começa como actor, em 1939, quando conta 25 anos, no filme “Retroscena”, onde desempenha ainda o lugar de co-argumentista. Prossegue a carreira de actor e, no Centro Sperimentale di Cinematografia, segue o curso de realização ministrado pelo cineasta Alessandro Blasetti. Em 1945 estreia-se na realização com “Il Testimone”, a que se seguem “Gioventù perduta” (1947), um policial com nítida inspiração norte-americana (o filme negro influencia então muito do cinema europeu, nomeadamente o italiano, veja-se, por exemplo, o caso de “Obsessão”, de Visconti) e “In Nome della Legge” (1949), um dos primeiros filmes a abordar o tema da Mafia siciliana e dos barões que dominam o território. Êxito de bilheteira, ganha o Nastri d'Argento e impõe internamente o nome de Germi. Mas será com o drama neorrealista sobre a emigração siciliana, “Il Cammino della Speranza” (1950), que o cineasta atinge a consagração internacional. Passa pelo Festival de Cannes com sucesso e em Berlim ganha o Urso de Ouro. “La Città si Difende” (1951) é considerado o melhor filme italiano do ano no Festival de Veneza, regressando a uma atmosfera de “filme negro”.
Segue-se uma época de relativo apagamento, primeiro com uma divertida comedia de boulevard, com forte crítica social, “La Presidentessa” (1952), adaptando ao cinema uma peça teatral de Maurice Hennequin e Pierre Veber, um "western sulista", como é considerado “Il Brigante di Tacca del Lupo”, retirado de um romance homónimo de Riccardo Bacchelli, e, já em 1953, “Gelosia”, nova adaptação de um romance, este de Luigi Capuana, “Il Marchese di Roccaverdina”.
Após dois anos de pausa, regressa em 1955, com outro grande sucesso que se integra bem na corrente neo-realista, “Il Ferroviere”, a q        eu se segue “L'uomo di paglia” (1958), novo marco muito positivo na sua carreira. “Un maledetto imbróglio”, de 1959, retirado de um romance de Carlo Emilio Gadda, “Quer Pasticciaccio Brutto de Via Merulana”, afirma-se como um dos primeiros e mais logrados exemplos de filme policial italiano. Ambientado em 1927, durante os anos da ascensão do fascismo em Itália, um comissário de policia (interpretado pelo próprio Pietro Germi), investiga um roubo de joias num edifício, onde pouco depois se descobre igualmente um assassinato. Os ambientes sociais são muito bem transmitidos e o suspense mantido.
Sem abandonar a crítica social, sem se afastar de um cinema de uma certa austeridade estilística, Pietro Germi entra na década de 60 com uma comédia que se tornaria um dos grandes títulos da chamada “commedia all'italiana”, “Divorzio all'italiana” (1961), com desempenhos magníficos de Marcello Mastroianni e da muito jovem e belíssima e Stefania Sandrelli. Internacionalmente, o êxito e total com nomeações para vários Oscars, Melhor Realização, Melhor Argumento Original (Ennio De Concini e Alfredo Giannetti) e Melhor Actor (Mastroianni). Depois, mantendo o tom de comédia de costumes, regressa à Sicília para “Sedotta e Abbandonata” (1964), outra obra de cariz crítico, insistindo no género com resultados magníficos em “Signore & Signori”, que vence em Cannes. Até final de vida não abandona a comédia: “L'Immorale” (1967), “Serafino” (1968) e “Alfredo Alfredo” (1972), com Dustin Hoffman e Stefania Sandrelli, encerram a sua obra.
Uma das razões porque Pietro Germi não terá sido elevado à categoria de mestre, na galeria dos maiores italianos, prende-se seguramente como facto de politicamente ser simpatizante não do partido comunista, mas da esquerda moderada, dita social-democrata. Entre os anos 40 e os anos 70, precisamente durante a época que o cineasta desenvolveu o seu trabalho, a crítica cinematográfica italiana, de Aristarco a Barbaro, de Verdone a Chiarini, de Giammatteo a Rondi, passando por alguns mais, dominou o panorama italiano, em revistas como “Cinema” e “Cinema Nuovo”, Filmcritica”, “Rivista del Cinematografo”, “Rezegna del Film”, entre outras. Quando se diz que dominou quer dizer-se que impos um código e regras que, não sendo cumpridas, tornariam os seus criadores personas non gratas.

FILMOGRAFIA
Como realizador:1946: A Testemunha (Il Testimone); 1947: Gioventù Perduta; 1949: Em Nome da Lei (In Nome della Legge); 1950: O Caminho da Esperança (Il Cammino della Speranza); 1951: O Bandido da Cova do Lobo (Il Brigante di Tacca del Lupo); 1951: A Cidade Defende-se (La Città si Difende); 1952: La Presidentessa; 1953: Amori di Mezzo Secolo (episódio Guerra 1915-18); 1953: Ciúmes (Gelosia); 1956: O Ferroviário (Il Ferroviere); 1958: O Homem de Palha (L'Uomo di Paglia); 1959: A 3 ª Chave (Un Maledetto Imbroglio); 1961: Divórcio à Italiana (Divorzio all'Italiana); 1964: Seduzida e Abandonada (Sedotta e Abbandonata); 1966: Senhoras e Senhores (Signore e Signori); 1966: O Imoral (L'Immorale); 1968: Serafino (Serafino); 1970: Le Castagne sono Buone; 1972: Alfredo, Alfredo (Alfredo, Alfredo)

Como argumentista(os títulos sem indicação de realizador, são da autoria de Pietro Germi): 1939: Retroscena, de Alessandro Blasetti; 1941: L'Amore Canta, de Ferdinando Maria Poggioli; 1943: O Filho do Corsário Vermelho (Il figlio del corsaro rosso), de Marco Elter; 1943: Gli Ultimi Filibustieri, de Marco Elter; 1945: I Dieci Comandamenti, de Giorgio Walter Chili; 1946: A Testemunha (Il Testimone); 1947: Gioventù Perduta; 1949: Em Nome da Lei (In Nome della Legge); 1950: Contro la legge, de Flavio Calzavara; 1950: O Caminho da Esperança (Il Cammino della Speranza); 1951: O Bandido da Cova do Lobo (Il Brigante di Tacca del Lupo); 1951: A Cidade Defende-se (La Città si Difende); 1953: Ciúmes (Gelosia)1953: Black 13, de Ken Hughes; 1956: O Ferroviário (Il Ferroviere); 1958: O Homem de Palha (L'Uomo di Paglia); 1959: A 3 ª Chave (Un Maledetto Imbroglio); 1961: Divórcio à Italiana (Divorzio all'Italiana); 1964: Seduzida e Abandonada (Sedotta e Abbandonata); 1966: Senhoras e Senhores (Signore e Signori); 1966: O Imoral (L'Immorale); 1968: Serafino (Serafino); 1970: Le Castagne sono Buone; 1972: Alfredo, Alfredo (Alfredo, Alfredo); 1975: Oh! Amigos Meus (Amici Miei), de Mario Monicelli.

Como actor:1939: Quinto, não Matar (Il Fornaretto di Venezia), de Duilio Coletti; 1946: Montecassino, deArturo Gemmiti; 1948: Fuga in Francia, de Mario Soldati; 1956: O Ferroviário (Il Ferroviere), de Pietro Germi; 1958: O Homem de Palha (L'Uomo di Paglia), de Pietro Germi; 1959: A 3 ª Chave (Un Maledetto Imbroglio), de Pietro Germi; 1960: Jovanka e as Outras (5 Branded Women), de Martin Ritt; 1960: Lábios Pintados (Il Rossetto), de Damiano Damiani; 1961: Pago para Matar (Il Sicário), de Damiano Damiani; 1961: A Herança (La Viaccia), de Mauro Bolognini; 1965: E Venne un Uomo, de Ermanno Olmi

Como produtor:1966: Senhoras e Cavalheiros; 1967: O Imoral; 1968: Serafino; 1970: I Giovedì della Signora Giulia (TV Mini-Series)

Principais recompensas:
Oscar: 1963: Oscar de Melhor Argumento Original, para “Divórcio à Italiana” (Divorzio all'Italiana); 1963: nomeação para Melhor Realizador para “Divórcio à Italiana” (Divorzio all'Italiana);
Festival de Cannes:1962: Prémio da Melhor Comédia para “Divórcio à Italiana” (Divorzio all'Italiana);1966: Palma de Ouro, para “Senhoras e Senhores” (Signore e Signori); (ex-æquo com “Un Homme et une Femme”, de Claude Lelouch);
Festival de Berlim:1951: Urso de Prata (categoria “drama”) para “O Caminho da Esperança” (Il Cammino della Speranza);
Festival de Veneza:1951: Prémio de Melhor Filme Italiano para “A Cidade Defende-se” (La Città si Difende);
Festival de San Sebastian:1956: Prémios de Melhor Filme e Melhor Realizador para “O Ferroviário” (Il Ferroviere);
Festival de Moscovo:1969: Prémio de Ouro para “Serafino”;
David di Donatello:1964: Melhor Realizador para “Seduzida e Abandonada” (Sedotta e Abbandonata); 1966: Melhor Realização e Melhor Produção para “Senhoras e Senhores” (Signore e Signori);

Nastri d'Argento(atribuídos pelo Sindacato Nazionale Giornalisti Cinematografici Italiani): 1946: Melhor Argumento: “A Testemunha (Il Testimone); 1949: Qualidades artísticas para “Em Nome da Lei” (In Nome della Legge); 1957: Melhor Realização para “O Ferroviário” (Il Ferroviere); 1959: Melhor Realização para “O Homem de Palha” (L'Uomo di Paglia); 1960: Melhor Argumento para “A 3 ª Chave” (Un Maledetto Imbroglio); 1962: Melhor Argumento para “Divórcio à Italiana” (Divorzio all'Italiana); 1965: Melhor Argumento para “Seduzida e Abandonada” (Sedotta e Abbandonata); 1967: Melhor Argumento para “Senhoras e Senhores” (Signore e Signori); 1976: Melhor Argumento para Oh! Amigos Meus (Amici Miei) (a título póstumo); 1976: Ruban d'Argent de Honra (a título póstumo).

O CAMINHO DA ESPERANÇA

$
0
0
O CAMINHO DA ESPERANÇA (1950)

O cinema interessou-se desde muito cedo pela sorte dos emigrantes de todo o mundo. Desde “O Emigrante”, de Chaplin, até “América, América”, de Kazan, passando por tantos e tantos outros títulos: “Os Emigrantes”, de Jan Troel, “El Norte”, de Gregory Nava, “A Fronteira da Vergonha”, de Tony Richadson, “Casamento por Conveniência”, de Peter Weir, “Dance in the Dark”, de Lars Von Trier, “A Emigrante”, de James Gray, “In America”, de Jim Sheridan, “O Salto”, de Christian de Chalonge, “Uma Rapsódia Americana”, de Eva Gardos, “A Beter Life”, de Chris Weitz, “Biutiful”, de Alexandro Inarritu, entre tantos outros mais. Esta é uma lista convocada de memória, com imensas injustiças pelo meio. É referida apenas como exemplo da forma como a emigração é vista, sob diversos pontos de vista, por cineastas de todas as origens e credos. É um tema grave, que a actualidade tornou ainda mais trágico, mas emotivo, mais controverso, maispolémico.
“O Caminho da Esperança”, que Pietro Germi realizou em 1950, é seguramente um dos melhores filmes de sempre a abordar este tema. O argumento, escrito pelo próprio Pietro Germi, de colaboração com Federico Fellini e Tullio Pinelli, segundo romance de Nino Di Maria ("Cuori negli abissi"), inicia a sua narrativa na Sicília, numa mina, em situação de crise e greve. Os mineiros conseguem salvar-se de uma situação extremamente perigosa, encerrados nas entranhas da terra, mas terminam no desemprego, com o horizonte de vida mais negro que nunca. É neste clima que aparece o angariador de viagens, que lhes promete um “caminho de esperança” para França. “Não podem imaginar como se vive ali, é outra vida, civilizada”, diz Ciccio Ingaggiatore (Saro Urzì), um traficante sem escrúpulos que procura seduzir uma assembleia de desesperados que têm à frente Saro (Raf Vallone). Todos pagam quanto lhes é exigido, todos se reúnem na manhã seguinte para entrarem numa desconjuntada camioneta que os irá transportar como gado ao longo das estradas italianas até Roma. Ciccio Ingaggiatore não enganava ninguém que não quisesse ser enganado. Depois de receber os seus 20.000 liras por cada cabeça, estipulou a lei: “A partir da saída da Sicilina, quem manda sou eu. Vocês não perguntam nada, não discutem nada, porque não conhecem nem o caminho, nem as pessoas, nem o processo”. São homens, mulheres, crianças, admiráveis rostos de populares que a câmara de Germi e o talento do director de fotografia Leonida Barboni moldam de forma dramática, sem, no entanto, as manipularem gratuitamente, sem qualquer intenção menos nobre: Carmelo (Saro Arcidiacono),  um velho com o seu cão de estimação (uma recordação de “Umberto D”);  Rosa e Luca (Liliana Lattanzi e Giuseppe Priolo), um casal de jovens que se casara horas antes da partida; Mommio (Renato Terra) e a sua guitarra que recorda ao longo da viagem as canções da Sicília natal; Lorenza e Antonio (Mirella Ciotti e Angelo Grasso),um outro casal; Barbara (Elena Varzi), uma rapariga que a família renegara pela sua paixão por um truculento e violento Vanni (Franco Navarra); um viúvo, Saro, acompanhado pelos seus três filho… e está aberto o “caminho para a esperança”, caminho cheio de asperezas e perigos, de sofrimento e traição, mas que desperta em cada rosto a esperança de um melhor futuro.


Em Roma, primeira paragem, a desilusão primeira: Ciccio Ingaggiatore troca as voltas aos emigrantes e deixa-os entregues á sua sorte. Uns perdem-se nas ruas da capital, outros são presos, condenados a regressar à Sicília. Mas voltam a reunir-se e a revoltarem-se, conseguem fugir e apanhar a boleia de outro vigarista que lhes arrebanha as últimas economias, para os conduzir até à fronteira francesa. A odisseia continua, porém. Voltam a ser abandonados antes do destino, buscam trabalho e são aceites numa herdade que procura trabalhadores rurais, mas o que os emigrantes desconhecem é que estão a furar uma greve e os problemas agudizam-se novamente. Lançam-se então desesperadamente pelas gélidas montanhas que os separam do prometido destino, alguns perdendo a vida, enquanto uma pequena minoria consegue alcançar a fronteira, onde uma patrulha de guarda francesa fecha os olhos à irregularidade e encolhe os braços que permitem prosseguir o sonho daquele grupo de sicilianos em busca de um “caminho de esperança”.
A actualidade desta obra é de tal forma gritante e pungente que por vezes nos julgamos a olhar notícias de 2016. O que deixa pressupor que a História, com novas roupagens, agora a cores e com outros apetrechos tecnológicos, se repete.
Reafirmemos uma outra conclusão: Pietro Germi é definitivamente um dos maiores realizadores do cinema italiano, um dos grandes nomes de neorrealismo, um cineasta de uma exemplar coerência. Rever em dias sucessivos algumas das suas obras permite-nos julgar com imparcialidade e justiça o seu contributo. O empenhamento social é obsessivo, o humanismo transbordante, o estilo é marcantemente pessoal, a qualidade das imagens tem uma força e um vigor que as tornam absolutamente pessoais, por muito que se possa notar a influência óbvia dos grandes cineastas soviéticos (mais Djovenko nos rostos humanos que Eisenstein, mas também este sobretudo na escolha dos enquadramentos, na composição dos planos). Mas nota-se também a presença de outros grandes realistas, como Flaherty, no lado mais documental, ou americanos como John Ford (As Vinhas da Ira ou O Vale era Verde, para só citar dois títulos que marcam alguma proximidade com “O Caminho da Esperança”). Mas Pietro Germi aprendeu seguramente com os clássicos, mas vinca um percurso pessoal, entroncado no ramo comum do neorrealismo, afirmando-se contudo como uma voz particular. Alias, associando-se assim aos maiores do cinema itaiano dessa altura, de Felllini a Rossellini, de Visconti a De Sica, de Dino Risi a Antonioni.


O CAMINHO DA ESPERANÇA
Título original: Il Cammino della Speranza
Realização: Pietro Germi (Itália, 1950); Argumento: Federico Fellini, Pietro Germi, Tullio Pinelli, segundo romance de Nino Di Maria ("Cuori negli abissi"); Produção: Luigi Rovere; Música: Carlo Rustichelli; Fotografia (p/b): Leonida Barboni; Montagem: Rolando Benedetti; Design de produção: Luigi Ricci; Direcção artística: Luigi Ricci; Guarda-roupa: Annunziata Piacentini;  Maquilhagem: Attilio Camarda; Direcção de Produção: Sergio Barbonese, Antonio Musu, Enzo Provenzale; Assistentes de realização: Marcello Giannini, Salvatore Rosso,  Argi Rovelli;  Som: Mario Amari; Companhia de produção: Lux Film; Intérpretes:Raf Vallone (Saro Cammarata), Elena Varzi (Barbara Spadaro), Saro Urzì (Ciccio Ingaggiatore), Franco Navarra (Vanni), Liliana Lattanzi (Rosa), Mirella Ciotti (Lorenza),Saro Arcidiacono, Francesco Tomalillo, Paolo Reale, Giuseppe Priolo, Renato Terra, Carmela Trovato, Angelo Grasso, Assunta Radico, Francesca Russella, Giuseppe Cibardo, Nicoló Gibilaro, Chicco Coluzzi, Luciana Coluzzi, Angelina Scaldaferri, Ciccio Jacono, Michele Raffa, etc. Duração: 105 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): inexistente; Distribuição em Itália (DVD): CristaldFilm; Italinao, com legendas em italiano; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 28 de Abril de 1953.


Viewing all 25 articles
Browse latest View live